(na continuação do esquema para um Romance Popular)
1.
“O romance popular já deixou de ser o acusador da sociedade; vende sensações, actuando sobre uma sociedade fictícia, pura ficção narrativa.”
2.
“Se as leis do enredo dominam três quartos da narrativa popular (incluindo o cinema) – e são estudadas, facto que de resto já se faz -, a noção de «mexerico aleatória» deve ser outra das categorias a serem aprofundadas, porque se trata de uma estrutura romanesca a par de outras, devido à sua importância e eficácia.”
3.
“Ela deve ser como a Rossana de Rostand, que não se rende se o amante não tiver feito antes um ensaio crítico sobre o amor, embora sem pretender a argúcia barroca, mas antes a precisão e a fantasia enciclopédica.”
4.
“O Mau nasce numa área étnica que vai da Europa Central aos países eslavos e à bacia do Mediterrâneo; normalmente tem sangue misto e as suas origens são complexas e obscuras; é assexuado ou homossexual, ou, de qualquer modo, sexualmente anormal (??? Nota pessoal); dotado de excepcionais qualidades inventivas e organizativas, empreendeu uma grande actividade por iniciativa própria, que lhe permitiu acumular uma riqueza imensa, graças à qual trabalha a favor da Rússia; para tal fim, concebe um plano de características e dimensões da ficção científica, estado até aos mínimos pormenores, destinado a apresentar dificuldades em série à Inglaterra ou ao Mundo Livre em geral. Na figura do Mau emergem todos os valores negativos que identificávamos nalguns pares de oposições, em particular os pólos União Soviética e países não anglo-saxónicos (a condenação racista atinge particularmente os Judeus, os Alemães, os Eslavos e os Italianos, sempre apresentados como metecos), a Cobiça elevada a dignidade paranóica, a Programação como metodologia tecnologizada, o Fausto satrápico, a Perfeição física e psíquica, a Perversão física e moral, a Deslealdade radical.
(..)
Às qualidades típicas do Mau opõem-se as respostas de Bond, em especial a Lealdade ao Serviço, a Medida anglo-saxónica oposta ao carácter excepcional do sangue misto, a escolha da privação e a aceitação do sacrifício contra o Fausto ostentado pelo inimigo, o golpe de génio (sorte) oposto à sua fria Programação, que é derrotada, o sentido do Ideal oposto à Cobiça (Bond, por várias vezes, vence o Mau ao jogo, mas, por norma, devolve a enorme soma ganha ao Serviço ou à rapariga de serviço, como acontece com Jill Masterson; de qualquer modo, mesmo quando tem o dinheiro, não faz dele um fim primário). Aliás, algumas oposições axiológicas não funcionam exclusivamente na relação Bond-Mau, mas também no interior do comportamento do próprio Bond; assim, Bond é, regra geral, leal, mas não desdenha bater no inimigo utilizando um jogo desleal, fazendo batotice com o batoteiro e fazendo chantagem com ele. O carácter excepcional e a Medida, a Sorte e a Programação também se opõem nos gestos e nas decisões do próprio Bond, numa dialéctica de observância do método e inspirações súbitas, e é precisamente esta dialéctica que torna a personagem fascinante, que vence decididamente porque não é absolutamente perfeito (como seriam, por sua vez, M e o Mau). Dever e sacrifício surgem como elementos de conflito interior sempre que Bond sabe que deverá malograr o plano do Mau como risco da própria vida, e naqueles casos o ideal patriótico (Grã-Bretanha e o Mundo Livre) toma a vantagem. Também entra em jogo a exigência racista de demonstrar a superioridade do homem britânico. Em Bond, opõem-se também o Fausto (gosto pela boa alimentação, cuidado no vestir, procura do bom hotel, paixão pela sala de jogo, invenção de cocktails, etc.) e a Privação (Bond está sempre pronto a abandonar o Fausto, mesmo se este assume o aspecto da mulher que se lhe oferece, para enfrentar uma nova situação de Privação, cujo ponto máximo é a tortura).
Alongámo-nos sobre o par Bond-Mau porque, de facto, nele emergem todas as oposições enumeradas, incluindo o jogo entre Amor e Morte, que na forma promordial de uma oposição entre Eros e Thanatos, princípio do prazer e princípio da realidade, se manifesta no momento da tortura (em Casino Royal explicitamente teorizada como uma espécie de relação erótica entre torturador e torturado).”
5.
“Seria uma questão a levantar, como funcionaria em tal caso uma máquina narrativa que tivesse de responder a uma solicitação de sensações e surpresas imprevisíveis. Típico do romance policial, quer seja de investigação ou de acção, não é na realidade (como já referimos noutra altura), a variação dos factos, mas antes o regresso de um esquema habitual, onde o leitor possa reconhecer algo já visto a que se tinha afeiçoado.”
6.
“Poder-se-ia compara um romance de Fleming com uma partida de futebol, de que se conhece à partida o ambiente, o número e a personalidade dos jogadores, as regras do jogo, o facto de que tudo terá lugar dentro da área do relvado verde; mas, numa partida de futebol, é ignorada até ao fim a informação última: quem vencerá?”
7.
“Aqui entende-se a retórica no sentido original, tal como foi concebida por Aristóteles: uma arte da persuasão que deve fazer uso, para impor raciocínios dignos de crédito, de endoxa, sobre as coisas que a maior parte das pessoas pensam.”
8.
“Uma hábil montagem do déjà vu.”
Eco