O ponto da situação
A percepção do outro hoje
A época actual presencia o desenvolvimento de um paradoxo de facto notável. Por um lado, poderosos factores de unificação ou de homogeneização agem sobre a terra: a economia, a tecnologia, tornam-se quotidianamente cada vez mais planetárias, operam-se reagrupamentos de empresas à escala do globo, novas formas de cooperação económica e política aproximam os estados; as imagens e informação circulam à velocidade da luz, difundem-se pela terra inteira certos tipos de consumo, por outro lados vemos desagregarem-se impérios ou federações, vemos nações e culturas reivindicarem a sua existência singular, serem invocadas diferenças religiosas ou étnicas com uma intensidade que vai até ao ponto de ruptura e que se torna susceptível de conduzir à violência assassina.
(…) Assim, o paradoxo comprovado num plano global (o paradoxo que a coexistência da homogeneização e dos particularismos constitui) reaparece num plano local: os lugares decisivos do desenvolvimento económico e tecnológico que têm por campo de acção o conjunto do planeta (o planeta, neste sentido, uniformizado, considerado como um mercado, uma zona de extensão, um terreno de concorrência ou de parceria) são em geral aqueles onde coexistem de modo espectacular origens, línguas e culturas diferentes.
Este misto de unidade e de diversidade mostra-se ainda mais desconcertante pelo facto de ser reproduzido e multiplicado pelos meios de comunicação que são ao mesmo tempo a sua expressão e um dos seus agentes. O uso que, a seu propósito, somos levados a fazer dos termos “espectáculo” e “olhar” nada tem de metafórico. É bem com efeito, o nosso olhar que enlouquece ante o espectáculo de uma cultura que se dissolve nas citações, nas cópias e nos plágios, de uma identidade que se perde nas imagens e nos reflexos, de uma história que a actualidade devora e de uma actualidade ela própria indefinível (moderna, pós-moderna?) porque a percebemos apenas por fragmentos, sem qualquer princípio organizador mas permite a dar um sentido à dispersão dos flashs, dos clichés e dos comentários que para nós fazem as vezes de realidade.
AUGÉ, Marc, A guerra dos sonhos, Celta, Lisboa, pp. 11-12.