quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

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O festival de línguas do Teatro Praga
de Joana Gorjão Henriques

Eurovision, que hoje se estreia na ZDB, em Lisboa, com Pedro Penim e Martim Pedroso, recupera o festival da canção para falar da Europa e do teatro
É melhor observar o espaço antes que Pedro Penim assuma a personagem de poliglota europeu: ele é francês e inglês, ele é romeno, lituano, norueguês, alemão, húngaro, espanhol, italiano, húngaro, holandês, russo, grego, ucraniano, polaco, checo, dinamarquês, sérvio.... Eurovision, espectáculo de e interpretado por Pedro Penim e Martim Pedroso, que se estreia hoje na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, não é um festival da canção, mas passa por lá. Veja-se uma das paredes, coberta de capas de discos de vinil de artistas que fizeram a história do festival - e o lieu des mémoirs ("lugar de memórias", como eles lhe chamam). Ouvir o actor do Teatro Praga percorrer as línguas europeias (com tradução em inglês projectada na parede) é hipnótico. Soa a uma manta de retalhos sonoros e ao fazê-lo Pedro Penim também assume um pouco as várias nacionalidades. Enquanto joga este jogo de encaixar umas línguas nas outras, vai questionando a relação actor-espectador com um texto que brinca, por exemplo, com a ideia da relação amorosa e da relação espectador-actor: "A one-night stand is not for me" (qualquer coisa como: "Um caso de uma noite não é para mim").Depois entra Martim Pedroso e os dois levam à letra o princípio de Tchékhov, escrito num placard: "Se no primeiro acto há uma espingarda pendurada na parede, no último acto ela tem de disparar" (e lá está ela colada à parede). É a desconstrução constante daquilo que os dois vão fazendo e do espaço descrito pelos próprios minuciosamente, dando a ilusão que contextualizam (é, de resto, uma palavra recorrente no espectáculo), quase como se dissessem: "Não vale a pena pensar sobre o que estão a ver; nós fazemo-lo por vocês." A Europa infiltra-se de uma forma mais explícita nesta segunda parte - aliás, ela está no chão, uma colagem de vários materiais: azulejos, placas de madeira, de plástico e etc. -, sobretudo porque o discurso se torna mais directo (mesmo que bastante irónico), mas eles lá fazem questão de dizer que o espectáculo a que estamos a assistir não é sobre a Europa. Não? Mais ou menos. Pedro Penim diz que pensou na ideia da Europa como um espaço de "multiplicidade e univocidade", com vários Estados e várias línguas, e de como falamos, simultaneamente, da "unidade e das especificidades" do espaço europeu. Conceitos que foram depois aplicados à relação espectador-actor porque Eurovision também é sobre isto (ou não fosse este um espectáculo do Teatro Praga). E, sim, também partiu da vontade de Penim falar várias línguas em palco, da vontade de "provocar esse efeito de estranhamento" não só nele próprio, mas também no espectador, que tem de optar entre olhar para ele ou para as legendas como quando vê um espectáculo estrangeiro. Martim Pedroso diz: "Apesar de sabermos que há várias línguas no espaço europeu, não temos consciência das sonoridades" - e dá para reparar que há muitas que se confundem. Eurovision - festival da canção - é também "uma metáfora das multilínguas e do encontro entre nações", mas "formatada", acrescenta Penim. Há um "movimento de afunilamento" propositado na explicação e descrição exaustiva do espaço, objectos, acções, uma "reacção ao meio", explica Penim, e à ideia de que "no teatro as coisas têm que ser explicadas, ter uma função específica" ou "ser um lugar de identificação". Eurovision é uma co-produção do Teatro Praga com a ZDB e a Transforma e está em cena até dia 11 em duas sessões, às 21h30 e às 23h00.

Público 1 Fevereiro 2006