sábado, 13 de março de 2010

VEJO-ME GREGA

"Quando , na sua leitura do célebre coro de Antígona sobre o carácter "inquietante\demoníaco" do homem, Heidegger, na Introdução à metafísica, desenvolve a noção de violência "ontológica" própria de todo o gesto fundador do novo mundo da comunidade de um povo, gesto levado a cabo pelos poetas, pensadores e homens de Estado, deveríamos ter sempre presente que esta dimensão "inquietante\demoníaca" é, em última instância, a da própria linguagem.
Enquanto tal, o Criador é hupsipolis apolis: está fora e acima da polis e do seu ethos; não está ligado por quaisquer regras de "moralidade" (que não são mais do que uma forma degenerada de ethos) ; só assim pode fundar uma nova forma de ethos, de ser comunitário numa polis... evidentemente, ressoa aqui o tema de uma violência "ilegal" que funda o reinado da própria lei. Heidegger apressa-se a acrescentar como a primeira vítima desta violência é o próprio criador, que será apagado com o advento da nova ordem que fundou.
É interessante notar que o momento de Antígona em que o coro chora o homem como a mais "demoníaca" de todas as criaturas, como ser de excesso, ser que viola todas as justas medidas, acontece imediatamente a seguir ao momento em que nos é revelado que alguém desafiou as ordens de Creonte e realizou um rito fúnebre sobre o corpo. É este acto, e não a proibição decretada por Creonte, que é percebido como "demoníaco" e excessivo. Antígona está longe de ser a representante da moderação, da observância dos devidos limites, frente à hubris sacrílega de Creonte; muito pelo contrário, é dela a verdadeira violência."

Slavoj Žižek, VIOLÊNCIA

RELÓGIO D'ÀGUA 2008
TEM TANTAS GRALHAS QUE SAIU A VOAR MUITAS VEZES PARA A VARANDA