Enquanto tal, o Criador é hupsipolis apolis: está fora e acima da polis e do seu ethos; não está ligado por quaisquer regras de "moralidade" (que não são mais do que uma forma degenerada de ethos) ; só assim pode fundar uma nova forma de ethos, de ser comunitário numa polis... evidentemente, ressoa aqui o tema de uma violência "ilegal" que funda o reinado da própria lei. Heidegger apressa-se a acrescentar como a primeira vítima desta violência é o próprio criador, que será apagado com o advento da nova ordem que fundou.
É interessante notar que o momento de Antígona em que o coro chora o homem como a mais "demoníaca" de todas as criaturas, como ser de excesso, ser que viola todas as justas medidas, acontece imediatamente a seguir ao momento em que nos é revelado que alguém desafiou as ordens de Creonte e realizou um rito fúnebre sobre o corpo. É este acto, e não a proibição decretada por Creonte, que é percebido como "demoníaco" e excessivo. Antígona está longe de ser a representante da moderação, da observância dos devidos limites, frente à hubris sacrílega de Creonte; muito pelo contrário, é dela a verdadeira violência."
Slavoj Žižek, VIOLÊNCIA
RELÓGIO D'ÀGUA 2008
TEM TANTAS GRALHAS QUE SAIU A VOAR MUITAS VEZES PARA A VARANDA