terça-feira, 27 de abril de 2010

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Fui ao arquivo e encontrei isto...


[in “Prazer de criar” RTPM]

- Sabemos que ao desenhar as suas colecções o António tem preocupações de carácter étnico. Mas eu gostava de saber de que modo é que essa etnicidade deverá ser compreendida.
- Bom, a etnicidade é sempre guerreira. No caso dos homens. São guerreiros. Não são mercadores, não são comerciantes, são guerreiros. São homens prontos a dar a vida, prontos a morrer, prontos a… enfim aquilo a que eu chamo de Samurais. São samurais.
- António gosta particularmente de fotografar os seus figurinos. Concebe encenações adequadas, com a cumplicidade dos manequins. O gosto pela fotografia é uma prática a que se dedica há já longos anos. Que importância atribui ao elemento humano?
- O elemento humano é extremamente importante porque temos de salvar a humanidade. E eu gostava, quer dizer, eu gosto disso. Gosto de salvar alguma coisa. A minha arte é uma arte da salvação.

(...)

- Que importância atribui aos tecidos?
- No meu caso o tecido funciona como um jogo de sensualidade. Um convite à provocação. Fazer a mulher desejar fazer pecado.
- Fazer pecado?
- O pecado, sim, fazer pecado é bom. O jogo todo da sedução acontece apenas no jogo. Depois é o desfecho. E o desfecho já não tem nada. Não interessa. O desfecho é a tristeza. É a depressão. É a morte. O desfecho é tudo o que não queremos. É o nosso maior inimigo. E portanto o tecido cumpre esse papel de sedução, de uma segunda pele. O tecido é o convite ao tacto. E é nessa perspectiva que eu me relaciono com o tecido.
- É tempo de investir nos criadores de moda que traduzam nas suas colecções aspectos da cultura portuguesa na sua dimensão universalista. António, criador multifacetado, é filho de uma escritora macaense, uma senhora cuja elegância e inteligência são uma referência na história de Macau. O seu pai foi reitor do Liceu de Macau e é um dos filhos ilustres desta terra.
- Eu quero-me cumprir na íntegra como criador de moda e para isso quero vestir muita gente. Não quero ter uma boutique porque isso é quedar-me pelo artesanato pelo qual tenho muito respeito mas que não é moda nem é indústria. E se eu puder protagonizar um papel relativamente a Portugal de sensibilizar os agentes económicos portugueses para novos mercados como a China, como o Japão, como a Índia, transferindo as suas tecnologias por via de Macau, e ao mesmo tempo reforçar a presença portuguesa…
- Em 1993 propôs a criação em Macau de um festival de moda do Sudeste Asiático. Em 1995 foi nomeado consultor de moda em Pequim. E os tecidos? Onde vai procurá-los?
- Existe um grande grau de conservadorismo relativamente ao vestuário em Portugal. As pessoas têm medo de ser apontadas como únicas, têm medo de assumir a diferença, no geral, estou a pensar na classe dominante e estou a pensar sobretudo na parte masculina porque depois na parte feminina a afirmação consiste precisamente na diversidade e não na uniformidade.
- E o que diz a sua esposa.
A ESPOSA Eu gosto das criações do António. Sinto-me muito bem com as coisas que ele faz. E se ele as faz a pensar em mim ainda melhor. São elegantes, são discretas. O António é subtil. Não usa por exemplo as lantejoulas, não quer dizer que eu não goste em certas ocasiões, mas a verdade é que esta postura fá-lo criar objectos de arte. E depois tem uma outra faceta, quando faz coisas que explodem. E eu acho que há momentos em que nós mulheres gostamos de explodir. Por isso fico muito gratificada por viver com o António e partilhar o seu processo criativo e sobretudo ter o privilégio de o ver a criar para mim, coisa que me dá uma enorme alegria ao mesmo tempo que me faz claro sentir uma grande responsabilidade. Porque se eu morrer, não é… Se eu morrer acaba-se a arte.
- E tu, João? O que representa o teu pai para ti?
FILHO O meu pai é uma pessoa forte. Já viveu dias difíceis, passou por muita coisa má. Mas continua a ser sempre meu pai.
- O que é que admiras mais no teu pai?
FILHO A arte de ele desenhar. A facilidade que ele tem com o lápis ou a caneta. E quando ele cria. O modo como ele cria. Como as ideias surgem. A criação, sim.
- A criação causa-lhe sofrimento, António?
- Eu não sofro quando crio. Pelo contrário. Nunca me preocupei com o tema da próxima colecção, porque eu sei que ele há-de surgir naturalmente. O importante é esvaziar-nos. Porque o próprio conhecimento é um obstáculo. É condicionador. Vale a pena a gente esvaziar-se e deixar que as coisas aconteçam. Eu uma vez fiz uma colecção inteira no avião. Vi uma revista, olhei, “que engraçado!” Portanto para mim o prazer de criar consiste na descoberta, no encontro que é sempre acidental. E quando existe esse encontro entre mim e o tema então exulto.
- Exulta mesmo?
- Exulto pois. Porque o prazer de criar está nessa troca. Tudo se resume a isto. Depois é o exercício do desenvolvimento. Que é mais fácil. O desfecho. O final do jogo. Mas isso já não é criar. Criar é um prazer.
- O classicismo de formas continua a fasciná-lo?
- É preciso ir às origens das coisas. Eu procuro encontrar algo que seja uma expressão intemporal. Que não tenha princípio nem fim. As minhas colecções tentam traduzir todo um sentimento de vazio, de esvaziamento. E é com isso que eu exulto. Com o esvaziamento. Porque do nada nasce a vida.