quarta-feira, 10 de novembro de 2010

working on this

"K: Se este texto diz Não, porque é que tenho de o alimentar com a minha carne e o meu sangue? Onde é que está a radicalidade? Se estás permanentemente a neutralizar aquilo que te acabou de ser apontado como um problema, se estás permanentemente a transformar o problema num pequeno problema, a pedir ajuda à tua máquina de impressionar que não pára de produzir desespero que eu devo achar que é meu mas que é apenas a disciplina deste corpo…

C: Por isso é que não é possível fazer a negação no palco senão enquanto gesto de uma máquina de impressionar. Eu nem sequer posso dizer que Não quando este cabrão me quer dar um estalo.

S: Não, eu tenho um problema específico mas nós ocupamo-nos é do grande problema. E tu não reparas que estás a transformar todos os grandes problemas – um Não à vida, por exemplo – em problemas pequenos. Graças a essa tua máquina de impressionar. Só que eu quero disparar sem sentimento o meu Não, eu não quero estar ao serviço do grande Sim. E a Direita acha que é um delito e a Esquerda acha que não faz sentido.

B: Queres voltar a ser jovem, é isso? Queres voltar a representar a radicalidade passada, voltares à subversão do antigamente! Sem teres de te empenhar muito! (levanta o braço)

K: NÃO! NÃO! Não é isso, a minha revolta está sempre a ser banalizada por uma merda de um leite condensado e por esta ideia miserável de pertencermos todos uns aos outros, como se não pudesse haver desespero para lá disto aqui, para lá daquilo que todos partilham. Eu quero disparar sem sentimento.

B: Então dispara, então dispara lá sem sentimento!

K: Não, não. Estou a ser permanentemente neutralizada com psicologia e com moral! Que raio de circo é que vem a ser este, que raio de moral e psicologia é esta? Que é suposto servir para lutar contra a razão de tudo isto, esta máquina de impressionar que neutraliza o desespero total e que actua sempre como se só tivéssemos um pequeno problema que volta hoje a ser notícia, só que eu não tenho PEQUENO PROBLEMA NENHUM! Estamos a lidar com o quê? Uma máquina de neutralização! Eu sou a Liv Ullmann, não podem fazer isso comigo!"

René Pollesch, O amor é mais frio que o capital