- Tu queres ser um gajo que faz de uma gaja que faz de um gajo que faz de uma gaja mas não és capaz de escapar ao facto de seres tu. Não podes nunca largar o teu ponto de vista. Porque mesmo que oiças o outro é sempre para ti que estás a fazer. Porque no fundo o que nós queremos é saber quem é que nós somos.
HERÓI: Mas quem é que é nós?
- Nós. Eu e tu.
HERÓI: Se há vida, ela é tanto humana quanto não humana, ela é tanto eu como tudo o resto. E os humanos são, de um ponto de vista ontológico, uma relação. Não há um ponto de vista pré-existente de onde emana a visão do mundo. Só há um ser no mundo que é dar-se com os outros, muitos dos quais não são humanos e muitos dos quais são actores no processo. E estas interacções produziram-nos aos dois. A seta não se move só numa direcção. E eu defendo a não-transcendência de tudo isto, atenção, isto não é transcendência, é finitude. Eu sou sempre media res. A vida é um verbo. E isto é uma metáfora importante mas limitada. O mundo está nos detalhes. Deve trabalhar-se a partir de uma situação muito particular mas ao mesmo tempo fazer-se afirmações extremamente arrogantes e generalistas, como por exemplo o comprometimento rigoroso para com a finitude, para com a morte e para com a não-transcendência, e a resistência ao universalismo e ao relativismo. Vamos arranjar maneira de dar um outro nome ao que se passa nas práticas de conhecimento. E que não seja aquela rivalidade do universalismo e relativismo porque ambas as hipóteses resultam numa escolha falsa. É abrir os olhos. Com o modo como a vida e a morte se estão a desarranjar não podemos deixar de largar os velhos binários duradores e recorrentes. Não quero nada disso, muito obrigada. E por isso uma das razões por que é difícil nomear a relevância abrangente desta comédia de guerra é porque se trata de uma comédia que vai contra essa relevância abrangente. É um argumento a favor de uma espécie de festejar na finitude. É uma comédia que diz que não há maneira de praticar uma acção ética fora de um verdadeiro comprometimento, não há maneira de listar as conclusões fora deste domínio da prática, e elas não têm de ser tomadas de um modo relativista mas sim com as práticas a exigirem coisas umas às outras o que por vezes resulta numa tradução parcial e numa comunicação gaguejante. É um ser em movimento que recusa a facilidade fechada do relativismo cultural ou do construcionismo social que insistem em exigir coisas no mundo e em exigir coisas uns dos outros, que insistem numa espécie de “aturar a vida uns com os outros” em nome de uma co-habitação da diferença, porque não somos iguais, e porque a tradução nunca é perfeita ou sequer se aproxima da perfeição. Surpresa: é por isso que a comunicação pode ter lugar, porque a tradução não pode ser perfeita. Não é uma barreira. É a condição da significação. A condição da linguagem é o tropo. E o tropo é tropeçar. Etimologicamente. Não há fazer sentido em geral, não há fazer sentido em particular. E então as perguntas são: quais são as perguntas que interessam? E isso é um problema sério. E tem que ver com levar a sério os dilemas das outras pessoas. Em destacar o que importa de um modo não arrogante e sem a ilusão de que estamos num campo de jogo igual para todos. É olhar para o mundo como herdeiros de histórias de trauma e violência, para não termos a ilusão de que estamos numa espécie de campo de jogo democrático. É perguntar com seriedade aquilo que importa e para quem e como resultado ver aquilo que somos chamados a fazer.