O António guerreiro pediu desculpa antes de começar a prelectar
às crianças, disse que era comum os oradores antigos fazerem isso, pedir a
benevolência ao auditório, o António guerreiro pediu desculpa e de seguida
pediu a benevolência ao auditório. E os adultos presentes parece que coçam a
cabeça: as crianças sabem o que é pedir benevolência? Sabem, porque se percebe,
o António guerreiro pede a benevolência e toda a gente percebe o que ele está a
pedir, está a pedir a benevolência, porque se percebe quando uma pessoa pede
benevolência.
As crianças rebolam nas almofadas enquanto o António
Guerreiro está a falar e os adultos coçam a cabeça: será que as crianças estão
a ouvir o António guerreiro? Estão, porque pensam noutras coisas ao mesmo tempo
que ouvem o António guerreiro a falar da inquietante estranheza, maneira como os
franceses traduzem Unheimliche, quando deviam era traduzir «pelo que não é próprio
da nossa casa», os franceses, mas não, dizem inquietante estranheza. E as
palavras do António guerreiro levam as crianças que rebolam nas almofadas a outras
coisas, fora de casa, fora da casa delas, estranhas mas ao mesmo tempo
familiares.