quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Imprensa II

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Histórias de actores, marinheiros e de outros que o não são

Chegou a Lisboa a 2.ª edição de Shall we dance? (estreada em Montemor-o-Novo, em Dezembro de 2005), plataforma onde elementos do Teatro Praga apresentam projectos individuais. Na primeira edição, os co-criadores de Antes de Começar (Carlos Alves e Marta Furtado) e O Jogo das Escondidas (Paula Diogo e Joaquim Horta) não procuram articular as peças mostradas.Aqui, pelo contrário, a duplicação do título - Shall we dance? Shall we dance? - remete para o facto óbvio de esta ser a segunda edição do ciclo. Mas não só. Reiterando o insinuante convite (Dançamos?), fixa ainda a "sedução" como motivo dos três trabalhos que o integram (esforço desde logo concretizado na partilha da criação com elementos estranhos à companhia).As regras destas "afinidades electivas" definem-se em Hidden Track, a peça de abertura. À velha maneira, Carlos Alves assume-se como "prólogo teatral", estratégia engenhosa de enunciar os planos distintos que convergem no espectáculo. Primeiro, expõe os três "actos" do seu projecto: anúncio da sedução dum estranho (o desconhecido "…" da ficha artística); posterior busca, na rua, de alguém que dance com o marinheiro em que se transforma (o "hábito" faz o monge…); de regresso à cena, o slow dançado que prova o triunfo da conquista. Depois, expande significados acumuláveis no conceito de "sedução", aproximando-o do "vampirismo" que a máquina teatral pode assumir face ao espectador desprevenido. Por fim, "prefacia" os dois trabalhos que se seguem.Copyright, de Patrícia da Silva (Praga) e Nelson Guerreiro (convidado), e Super-Gorila, de André e. Teodósio (Praga) e José Maria Vieira Mendes (convidado), estruturam-se como variações temático- -formais do motivo central. Em Copyright, a sedução desce ao seu grau zero através duma irónica perturbação da percepção (sugere-se a leitura dum texto quando apenas se esperava olhar para algo) e duma estudada displicência interpretativa (próxima do didactismo documental). No pólo oposto, o genial desempenho de André e. Teodósio do atabalhoado adolescente terrorista de Vieira Mendes recupera o puro prazer de conhecer um "outro" que só existe num (bom) texto e no irrepetível trabalho do actor.A experimentação simultânea de modos contrastantes de representar, a implicação do espectador e o risco/esforço de lhe exigir um olhar crítico sobre a "cultura" que frequenta accionam-se aqui com peculiar sucesso, reforçando-se a estética que distingue o Teatro Praga.
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Miguel-Pedro Quadrio in Diário de Notícias, 28 de Agosto de 2006