terça-feira, 17 de outubro de 2006

DISCOS PEDIDOS

Aqui está a versão integral da entrevista de Cristina Margato que o Expresso publicou em 23-09 e que já não se encontra on-line:

Confronto
A verdade do teatro

Luís Miguel Cintra e André E. Teodósio num confronto no qual emergem as questões que os separam no teatro e na vida.

Quando Luís Miguel Cintra se estreou como encenador, em 1969, o fundador do Teatro da Cornucópia queria lutar contra uma ideologia política e um teatro que considerava morto. Só que «os tempos mudaram muito», diz o próprio. Mas o reconhecimento artístico, que na época lhe foi dirigido, não o abandonou em mais de 37 anos de trabalho. Esse lugar incontornável que Luís Miguel Cintra ocupa no panorama teatral actual não quer, porém, dizer que ele seja apenas um criador a quem se deve reverência. Para uma geração mais nova, Luís Miguel Cintra também corresponde a um modelo que pretendem contradizer e a um caminho do qual se querem desviar. André E. Teodósio (Teatro Praga), com 29 anos, dá voz a alguns dos argumentos que defendem a diferença face ao que consideram «a matriz» Luís Miguel Cintra. Num confronto que o EXPRESSO desencadeou, dois homens com quase trinta anos de diferença e muitas gerações pelo meio enfrentam-se, e, ao fazê-lo, não emergem apenas as questões que os separam - no teatro e na vida. Dois mundos seguem num ziguezague de encontros e desencontros.

EXPRESSO - Gostaria que começassem por tentar encontrar as diferenças na forma como existem no teatro.

ANDRÉ E. TEODÓSIO - O teatro, para mim, começou por ter muita importância desde que vi os vídeos apresentados por Jorge Silva Melo e muitas encenações de Luís Miguel Cintra, no Conservatório. O peso dos mestres iniciou-se aí. Durante muito tempo foi difícil quebrar o trabalho de Jorge Silva Melo ou de Luís Miguel Cintra. Queríamos perceber como nos poderíamos encaixar no espírito do tempo e conquistar um espaço. Nos primeiros espectáculos do Teatro Praga (há dez anos) ainda existia um aspecto naturalista e realista. Os trabalhos eram simulacros de trabalhos da Cornucópia. Não se entendia o âmago da própria questão teatral. Hoje, tentamo-nos encontrar em algo a que Richard Foreman chamou de bombas de diferenciação e criar novos espaços dentro do próprio teatro que o possam revitalizar, sem que, por isso, nos achemos os melhores. Procuramos um caminho diferente. Nem melhor nem pior.

LUÍS MIGUEL CINTRA - Uma das coisas que me faz respeitar o vosso trabalho - e por isso estranho que sublinhes a importância das companhias e das pessoas mais velhas - é reconhecer no vosso grupo essa vontade de fazer diferente, de inventar. Desde o princípio que desejo conseguir fazer em grupo. Foi uma ilusão da minha geração. Quando começámos no teatro independente queríamos constituir grupos contra o teatro de empresário ou institucional, em que as pessoas não fossem mandadas, em que fizessem o que correspondia ao seu desejo de inventar. Isso aconteceu por generosidade de umas pessoas em relação ao projecto de outras; e muito pouco, de facto, como uma criação estabelecida em grupo. Parece-me que vocês têm independência mesmo em relação aos programadores ou às salas institucionais. A maior distância entre nós pode estar na relação com o texto e naquilo que foi um sentido de missão pública. Porque na minha cabeça e na da minha geração ainda existe a ideia de que podemos e queremos intervir no espaço público. Quando começámos, queríamos formar espectadores, intervir culturalmente, provocar de forma política. Com as mudanças que o tempo trouxe é muito mais difícil e complicado encarar esses assuntos.

A.E.T. - No Teatro Praga somos nove e temos relações diferentes com o texto. No entanto, lembro-me de ter lido (no livro de Maria Helena Serôdio) que Luís Miguel Cintra diz tentar respeitar ao máximo o autor. Não tenho esse problema. Semioticamente, é um erro fatal. O autor é o autor. Interessa-me a minha relação com o texto, com determinadas imposições linguísticas, estilistas, históricas. A relação com o texto não é construtiva ou desconstrutiva, é a minha. Outra grande diferença entre nós passa pela questão do símbolo. O L.M.C. trabalha com a metáfora. Nós, mesmo parecendo que insistimos nas metáforas, apenas tentamos criar um jogo de ligações para o público. As metáforas levam-nos ao erro totalitário. Daí os nossos trabalhos não terem essa dimensão política. Demitimo-nos dessa dimensão por acreditar que em nome das grandes ideologias de esquerda e direita foram cometidos tantos erros! A política para nós é criar diferenciação, criar pequenos pólos e esperar que esses pequenos pólos façam frente a essa grande massa, que acaba por ser o país e Portugal.

L.M.C. - O que são esses pequenos pólos?

A.E.T. - Pequenos núcleos de pessoas que vivem à volta de opiniões políticas, mas não ideológicas. Nos anos 80, o político corria o risco de se tornar ideológico. Queremos que a nossa política não seja ideológica. É como na grelha rizomática de Gilles Deleuze, em que o mundo não tem núcleo e, em vez de ser redondo, tem vários quadradinhos, a partir dos quais as comunidades interagem.

L.M.C. - Vocês não têm nenhuma esperança nem nenhuma ilusão de poder mudar o mundo?

A.E.T. - Sei que não se pode mudar o mundo. É a verdade, embora me custe admitir.

L.M.C. - Aí há uma diferença fundamental. Quando tínhamos a vossa idade, acreditávamos que isso era possível, e por isso lutávamos para tentar modificar as pessoas. Por outro lado, percebo-te muito bem. Também me questiono sobre a possibilidade de um teatro que seja a criação de metáforas (ou que interprete um texto através de metáforas) se tornar impositivo...

A.E.T. - É muito perigoso.

L.M.C. - Num dos últimos trabalhos (A Gaivota, de Tchekov), escrevi um texto em que colocava esse problema; porque perante um texto como aquele senti que era errado tentar impor ao público uma interpretação. Procurou-se que no trabalho de encenação e de interpretação ficasse um espaço subtil ou frágil, de modo a não se tornar impositivo em relação ao público e a não impedir que se sentisse a distância que vai do texto escrito ao texto encenado. Entre nós há uma outra grande diferença, que passa pela humildade e pela postura quando se está a apresentar. Quando recebi o Prémio Pessoa disse que tenho muito orgulho em ser intérprete e tento ser apenas um intérprete, no sentido em que um director de orquestra é também intérprete de uma partitura que já tem e, portanto, parte sempre de um amor a um texto. Tenho a ilusão de poder servir como «actualizador» desse texto no momento de o apresentar. Podes dizer que isto é uma ilusão e que de qualquer maneira estou sempre a fazer obra mesmo que diga que não quero fazê-la. Por outro lado, o texto sozinho não interessa. É só o texto e nunca é só aquele texto. Basta passar para o corpo e para a cabeça das pessoas que estão a representar para haver uma apropriação que o transforma.

A.E.T. - Desrespeito o autor a partir do momento que o leio. Nesse momento, já estou a ler com a minha cadência.

L.M.C. - Mas não é isso também que acontece quando estás sozinho a lê-lo em casa?

A.E.T. - A questão passa pelo facto de eu querer servir-me desse texto... Quando diz, «tento respeitar o autor», eu respondo, «eu não sei em que é que ele pode ser respeitado». No teatro, faz-se um jogo com aquilo que o texto nos pode proporcionar, e é só isso.

L.M.C. - Eu não digo isto como crítica e aceito que queiram fazer algo vosso com um texto preexistente.

A.E.T. - Mas nós fazemos textos. Este ano, por exemplo, vamos fazer Frei Luís de Sousa. Gostamos, porém, de nos trocar as voltas e de trocar as voltas aos espectadores que nos vão ver. Outras vezes fazemos espectáculos sobre teorias filosóficas, porque não temos uma relação com o teatro que seja exclusiva ao texto teatral. Um texto teatral é tão bom ou pior do que um romance, um ensaio filosófico ou uma notícia de jornal. Há muitas coisas interessantes no quotidiano. As edições de teatro português são assustadoras, agrupam muitos textos maus que não valem a pena repetir. Não tenho a resposta para o chavão que repito, «devolver ao teatro o que é o teatro», não sou Deus. No entanto, sei que o teatro sempre foi a criação de novas dramaturgias; e nós gostamos de fazer novas dramaturgias. O teatro não é só a criação de um repertório. Não é porque se é alto que se tem de fazer o Romeu. O teatro pode não ter apenas texto. Beckett já escreveu actos sem palavras há 50 anos. Agora, há um esquema qualquer, gigante, que nos ultrapassa a todos, que a televisão e os outros meios de comunicação repetem, no qual se sublinha a necessidade de repertório e a importância dos clássicos... O teatro de repertório não pode ser a matriz; e não podemos ser todos julgados pelo «modelo» ou a «matriz» Luís Miguel Cintra.

L.M.C. - Agradeço imenso que o digas
.
A.E.T. - O Luís Miguel Cintra é muito importante, mas não pode ser o único. No teatro, tem de haver diferenciação. Para se fazer Brecht tem de se contrariar Brecht. Para se fazer teatro em Portugal tem de se contradizer Luís Miguel Cintra.

L.M.C. - Mas tu sentes que a existência de uma companhia como a nossa e que os trabalhos que nós fazemos estrangula a hipótese de se fazerem outras coisas?

A.E.T. - Estrangula muito! A nível do pensamento. Porque tem qualidade, porque é um trabalho total de encenador e porque surgiu num período em que girava à volta da Cornucópia muita gente com muito talento, realizadores, escritores, poetas, actores... Criou-se uma determinada facção da actividade cultural que parou no tempo, ao contrário do seu criador, e que julga tudo pela mesma bitola. O que é político para o L.M.C. é ideológico para outros.

L.M.C. - Eu percebo. Não acho que a culpa seja da Cornucópia. A forma como o chamado público encara um trabalho assim é que é errada. Também nos sentimos presos dessa recepção por parte dos espectadores...

A.E.T. - Os perigos também são do próprio trabalho, a partir do momento em que este é total.

L.M.C. - Os perigos são de uma sociedade como a nossa, na qual o espectador, em vez de vir ver o nosso trabalho com curiosidade e com a cabeça aberta (o que seria desejável), acha que este é «o» tipo de trabalho e não «um» tipo de trabalho. Tem a cabeça condicionada: vem ver uma companhia de prestígio. Já vivi num momento histórico em que a relação com o espectador não era essa. Hoje, essa relação prende o próprio trabalho dos criadores de teatro, abastarda a intenção dos trabalhos. Gostaria de me sentir numa situação de igualdade com vocês. Há uma hierarquização das companhias, com reflexos no apoio do Estado às companhias, e que é perfeitamente perversa. Anula e estraga uma relação muito mais leal com o espectador, ao contrário do que eu gostaria.

A.E.T. - Este fascínio pela Cornucópia deve-se em muito ao trabalho, é ele que cria esse fascínio. Há trabalhos que são arrasadores, e é por isso que eu acho que existem perigos na metáfora e no símbolo. Acho muito bem que o trabalho exista, mas é muito perigoso quando existe uma classe fora deste que considera que apenas deve existir uma determinada forma. Não há diversidade, mas só igualdade. Com esses espectadores, que são de uma determinada importância e que geram novas gerações em diversas áreas, continua-se a perpetuar a ideia de uma companhia com um teatro total. Há uns tempos, alguém me dizia que queria uma actriz que era da Cornucópia e só podia ser essa actriz. Depois há quem vá comprar o mesmo tecido vermelho que a Cornucópia usou num determinado espectáculo. Existe esta história da fama da Cornucópia que se intromete sempre no caminho.

L.M.C. - Não tinha essas ideias. É sinistro!

A.E.T. - Não acho que o L.M.C. tenha de mudar em nada. Há muitas outras companhias para criar diferenciação. A sociedade anda perdida e tenta-se agarrar a qualquer coisa. Apareceu uma linguagem tão arrasadora que as pessoas apanham-na e guardam-na.

L.M.C. - Não sentem que com a vossa companhia, que já tem alguns anos e muitos espectáculos feitos, pode estar presa a uma imagem de marca, que por sua vez impede uma comunicação verdadeira. Em companhias como a vossa, ou a da Lúcia Sigalho, a do Cão Solteiro... os nomes correspondem a uma imagem de marca...

A.E.T. - Assumo que essa imagem existe. Mas, no caso do Teatro Praga, é mais difícil. Somos nove, e uns fazem frente aos outros. A questão é: todas essas companhias de diferenciação vivem na eminência de morrer.

EXPRESSO - Têm apoio estatal...

A.E.T. - Até ver.

L.M.C. - É grave que, nalguns casos, não haja um lugar fixo para trabalhar. Para nós, foi fundamental ter uma casa, um centro onde as pessoas se encontram, onde se guardam os materiais, os documentos. Não sei como é que conseguem ter uma estrutura tão forte sem vos ser disponibilizada uma sala...

A.E.T. - Trabalhamos numa sala no Hospital Miguel Bombarda, onde temos pouco espaço para guardar material, e temos um escritório numa casa comprada pelos meus pais e que alugámos por uma módica quantia. Para uma companhia como o Cão Solteiro, que faz um teatro plástico, a questão é pior. Não tem onde guardar nada e tem de mandar coisas fora ou refazê-las nas reposições. A Mónica Calle, por exemplo, está instalada num bar. Nós existimos há dez anos, mas a Mónica Calle e a Lúcia Sigalho, que fizeram a diferenciação em relação ao L.M.C. e são os «nossos pais», são mais velhas. Elas não têm idade para ser categorizadas como nova geração!

L.M.C. - Mesmo na relação com o público tem sido fundamental. Há uma criação de um público regular. Isso estabelece uma espécie de diálogo em profundidade com os espectadores. Tenho a ilusão que aquilo que se passa no nosso momento de criação dos espectáculos, que é um diálogo com a nossa memória anterior e com a nossa prática anterior, passa também para o público.

A.E.T. - É verdade que temos sofrido com o facto de estarmos a saltar de um lado para outro. Agora, os espectadores já começam a reconhecer o nome. Demorou algum tudo. Se tivéssemos tido apenas uma sala, teria sido mais fácil fazer essa evolução com o público.

L.M.C. - Tenho pensado que uma forma de escapar a uma relação de cliente com o espectador é a possibilidade de estabelecer um público minoritário. Não ter medo de trabalhar para um pequeno grupo, em vez de ter uma relação com todo o público, o que acho necessariamente superficial e ilusório.

A.E.T. - Podemos funcionar em pequenas comunidades. Claro que a nossa comunidade será muito menor. Ser político é trabalhar para poucas pessoas. Não acredito em espectáculos para duas mil pessoas, isso é tornar todos iguais.

L.M.C. - Antes havia muito menos coisas. Um espectáculo tinha uma importância maior na elite que se interessava por artes. Quando fizemos O Anfitrião (em 1969), no Anfiteatro de Letras, a imprensa nacional foi ver. Logo depois tive direito a bolsa e fui estudar para Inglaterra. Houve pessoas com carreira já firme que aderiram ao nosso projecto, apesar de sermos apenas dois miúdos da faculdade. Vocês, com dez anos, ainda são uma novidade. Para a vossa geração, é muito mais difícil inserirem-se na vida cultural. Não sei até que ponto isso não tem reflexo nas escolhas artísticas. Como não é possível haver uma inserção na cidade, correm o risco de cair numa espécie de mecanismo do género «façamos o que gostamos mais e desistamos de ter muito público...» Não terão vocês se acomodado, consolando-se com o pequeno lugar que a sociedade vos permite e criando algo muito concentrado em vocês próprios, fazendo do teatro uma necessidade de expressão mais do que de comunicação?

A.E.T. - Nós nunca nos inserimos na sociedade. Se nós desistirmos, e muitos outros como nós, fica apenas o L.M.C. Não vamos desistir. Nunca vamos ser compreendidos por muitas pessoas. Tentamos não parar. Queremos criar a diferença.

L.M.C. - Só existes se fores diferente?

A.E.T. - É importante haver uma diferenciação, do ponto de vista político. Cada vez há menos indivíduos, cada vez há mais pessoas com as mesmas ideias. O que não quer dizer que as pessoas não sejam inteligentes. Os partidos políticos das pontas tendem a desaparecer. Só há partidos centrais.

L.M.C. - Não sentes que essa vontade de diferenciação é imediatamente integrada na sociedade, catalogada como «Os Diferentes» e colocada numa gaveta marginal? As pessoas já sabem o que esperam e olham-vos de uma outra maneira. Isso aterroriza-me... Tenho a ideia de que não assustando o público com a diferença e aceitando o lugar institucional que tenho posso confrontar o público, sem agressividade prévia, com algumas coisas que são fundamentais no pensamento humano, com as quais o público normalmente não se confronta. Embora muitas vezes fique com a sensação de que o público não ouve nada, nem percebe nada. Vem ver se as luzes estão melhores ou os fatos estão mais bonitos... É uma frustração enorme. A relação já prevista com o público corrompe a relação com o público. Vocês não acabam por superficializar a relação, porque estão só a falar sobre essa relação e não sobre outros assuntos?

A.E.T. - Um espectáculo sobre a interpretação da arte é um grande tema... Não é apenas político dizer que o governo vai bem ou mal...

L.M.C. - Vocês estão sempre a falar de vocês e nós consideramo-nos um instrumento, para falar de outros assuntos. Esta é uma grande diferença. Vocês encaram o teatro como uma forma de expressão própria...

A.E.T. - Isso deriva de determinadas ideias «clichéticas» que se criaram com alguns espectáculos de dança dos anos 90, nos quais alguns coreógrafos tentaram afirmar uma certa individualidade. Algumas pessoas optam por dizer isso quando não sabem analisar os nossos espectáculos de outra forma; mas o nosso interesse não é falar sobre nós... Somos desinteressantes.

L.M.C. - Vocês dividem-se entre o grupo e algo parecido com uma «carreira profissional»?

A.E.T. - Sim. Ninguém vive apenas do grupo.

L.M.C. - Isso não é limitativo?

A.E.T. - Seria um sonho viver do grupo. Mas sei que nunca vai ser assim.

L.M.C. - Não se deviam acomodar a essa situação, e é importante dizer isto publicamente. Deviam ter direito a existir de uma forma que não vos obrigasse a fazer outras coisas para sobreviver.

A.E.T. - Costumo usar uma frase do Eduardo Lourenço: «Os artistas são todos filhos da burguesia». Pedimos dinheiro aos pais.

L.M.C. - Então existem porque são um projecto de juventude? Vocês vão crescer! O que me passa pela cabeça é o seguinte: davam-vos um teatro, o da Trindade. E depois? Em que é que isso mudava o vosso trabalho? E vocês até podiam dizer: «Não quero um teatro clássico, mas um armazém»...

A.E.T. - É um mito dizer que as companhias independentes querem armazéns. Nós podemos trabalhar num teatro clássico, e não vou deixar de fazer um teatro de diferença só porque ocupo um teatro clássico e tenho um ordenado ao fim do mês.

L.M.C. - Pensando em vocês, e nos mais novos, tenho defendido uma ideia de teatro nacional que não seja um lugar de honra nem de luxo. Em meu entender, os teatros nacionais deveriam ser um instrumento à disposição de toda a gente e sobretudo daqueles que têm menos capacidade de inserção dentro da cidade. O que aconteceria se uma direcção do teatro nacional vos desse quatro meses para trabalhar num projecto e assim sucessivamente para outros grupos, criando um núcleo de várias estruturas com vida própria?

A.E.T. - Aceitávamos, desde que o L.M.C. aceitasse lá estar no meio de nós. Aos olhos das pessoas, a Cornucópia tem de ser uma companhia de diferença e não de matriz. Há uma pirâmide, quando devia existir um círculo.

L.M.C. - Tudo bem. A minha esperança é que a minha diferença não seja a prevista para os diferentes. E vocês às vezes, sem darem por isso, encaixam-se no lugar previsto para os diferentes...

Entrevista de Cristina Margato
in Expresso [Actual], 23-09-2006