quinta-feira, 29 de março de 2007

Workshop na E.S.T.C.

1ª sessão

A bordo do Helena Rubinstein depois da diseuse Patty ter actuado no S. Luiz.

LADO A

Ela (a berrar) – VAMOS FAZER COMO ELES LIAM.

Ele - Hihi, que horror.

Ela – Primeiro que tudo, quantos achas que vão desistir?

Ele – Ahhh, bastantes. (Pausa) Eu acho que vão desistir bastantes.

Ela – Mas por que achas que eles estavam à espera de fazer coisas, de a coisa ser mais prática, n’é?

Ele - Sim, é sempre um bocado aborrecido quando estás sentado só a falar.

Ela - Mas sabes que eu senti que alguns estavam contentes por também terem esse espaço. Havia pessoas que... mesmo aquele miúdo que ficou fodido porque não estava a perceber nada, e dizia que achava que não ia perceber nada dos nossos espectáculos.

Ele - Sim.

Ela - Que de repente aquilo também era libertador, eles poderem dizer exactamente o que é que achavam. (Pausa) Não sei se calhar é inocência minha. Naiveté.

Ele- Não, eu acho que sim. Mas... Primeiro eles estão todos cansados, não é, têm aulas durante o dia.

Ela – Pois.

Ele - Portanto, chegar ali e estar a puxar pela cabeça deve ser hiper-cansativo.

Ela - Pois deve, pois deve.

Ele - E depois nós somos completamente caóticos, a falar misturamos as coisas, e estamos completamente codificados, o que imagino que seja às vezes difícil de entrar. Agora... pois não sei. Vamos lá a ver. Eu acho que vão desistir bastantes pessoas. Já por experiência própria, normalmente desiste muita gente.

Ela - Pois. A mim, acho particular, fez-me um bocado confusão, que a maior parte deles não conhecesse o nosso trabalho. Não por não conhecer, mas como é que tu te inscreves num workshop com uma companhia que não conheces o trabalho. O que é te leva a ir lá.

Ele - Eh pá, a escola também tem um horário muito grande e não possibilita ver muitas coisas. E também não somos uma companhia que está aí out there. Não é?

Ela - Sim

Ele - É preciso andar a procurar...

Ela - A questão nem sequer é eles terem visto o trabalho, isso acontece, é normal. Eu também fiquei, pá, o primeiro espectáculo do Teatro Meridional que vi foi há um ano. O que me faz espécie é: como é que então vais fazer um workshop com essas pessoas? Porque pode-se dar o caso...

Ele - ...Isso é bom. Porque é tipo. Podes estás a conhecer uma coisa completamente diferente.

Ela – Pois, sim, sim, de facto.

Ele - Agora, por exemplo. Eu contei alguns fatos de treino.

Ela - Sim roupas para para... para corpo, sim.

Ele - Isso é, é, não sei, é....

Ela - Pois mas se calhar também tem a ver com o facto de não conhecerem o nosso trabalho.

Ele – Sim, sim, sim. Mas mesmo conhecendo o trabalho, por exemplo, ah, havia aquele tipo que acha que o nosso trabalho é uma coisa completamente, que é um trabalho muito formal. Que assenta muito na plasticidade. Que é.... pronto é bom as pessoas também verem isso. Mas não, não é... não é isso. Obviamente que os espectáculos são muito físicos. Tu vês o Private Lives, olha agora este que fizemos em Colónia, era completamente excessivo fisicamente.

Ela - Sim

Ele - Só que não trabalhamos de todo, não temos aulas de corpo. Se calhar infelizmente. Vamos trabalhando com o corpo que temos.

Ela - Pois era aquilo que lhes dizíamos. Levantamo-nos das cadeiras já muito tarde. Não sei...

Ele - Pois, mas uma coisa é compreenderes, outra coisa é sofreres.

Ela - Como assim?!?

Ele - Uma coisa é compreender que se fala muito, e outra é sofrer horas e horas de conversa.

Ela - (Com ritmo e melodia) Pois pois pois pois pois pois pois pois pois pois....

Ele - E é muito mais complicado, isso.

Ela - Olha estou cheia de expectativas para saber quantos resistem. E quando eu saí para ir à casa de banho, depois daquele tipo que disse que não percebia nada, e que se estava a ir embora, sabes qual é???...

Ele – Sim.

Ela - ...estive a falar com ele e disse-lhe, olha se achares que isto às vezes é muito violento e que vamos muito rápido e que saltamos feitos loucos de umas coisas para as outras, e se tiver a dar um nó na tua cabeça diz para pararmos, para explicarmos, mas por favor não desistas. Não desistas só por achares que não és capaz. E ele, Não, não porque eu também estou farto que me digam que ainda não está na altura de perceber determinadas coisas.

Ele - ESTAMOS SEMPRE NA ALTURA, ESTAMOS SEMPRE NA ALTURA DE PERCEBER AS COISAS.

Ela - Eu gostei da atitude dele. De não desistir e de mandar vir...

Ele - Pois porque isso faz parte. Ninguém pode ficar à boleia. Porque isso existia muitas vezes quando estava em exercícios na escola eu ficava à boleia, não estava a apanhar nada.

Ela – Pois. Ele - Era encenado. Basicamente. Olha que eu acho que são só táxis aqui. Não, não são nada. E claro que há sempre uma tendência de haver pessoas que controlam mais, umas que controlam mais o discurso, outras que controlam mais aaaa...

Ela - Sim, mas isso há sempre. Ainda por cima num grupo tão grande muito facilmente os que são mais, ó pá, os que são mais espevitados, ou os que têm a… a… e nota-se que uns têm mais facilidade em entrar no discurso. Pessoas que já fizeram outras coisas antes da escola. Tem a ver com a idade e com a experiência também. Eh pá, fiquei contente com o gajo.

Ele - Sim é importante cada um descobrir o que é que pode proporcionar para um determinado trabalho.

Ela – Claro.

Ele - Porque normalmente isso não acontece. Normalmente tens um ponto de vista geral e tu encaixas-te nele. E é bom, tipo, cada um ter as suas coisas. Ter as suas ideias. Pronto, mas eu acho que a plataforma de conhecimento geral é ainda muito académica. Longe e distante. Portanto eu não sei na verdade, se muitas das coisas que dizemos são compreendidas. São ouvidas, mas eu acho que são compreendidas de uma forma completamente díspar daquilo que são na verdade.

Ela – Pois, a conversa da desconstrucção ontem.

Ele - Pois, e às vezes também entramos em loop nas coisas. Na verdade, nós também não temos certezas nenhumas. São só teorias que nós.... vamos concretizando...

Ela - Altamente mutáveis e mutantes. Não é, que é...

Ele - Pronto, eu acho que também era bom, se calhar no fundo, toda a gente ler o Avarento. Porque só através daquelas cenas...

Ela - (Pigarreia)

Ele - ...não me parece que tenhamos muito material, suficiente. Pronto o Zé também vem na Quarta-Feira. Talvez traga cenas do texto dele. Mas é muito giro isto. Enquanto líamos....

Ela – Sim, sim, sim...

Ele - ...pensava sempre no texto do Zé e no paralelismo e... como é completamente diferente de alguma forma.

Ela - Sim, é muito diferente de facto, mas... sentes que as raízes são as mesmas.

Ele - Sim, mas a tradução do texto dele é melhor que esta tradução do Molière. (Risos Ela +Ele)

Ela - Achas que ele traduziu bem o texto dele?

Ele - Acho que sim

Ela - Eu acho que ele é óptimo. ZÉ TU ÉS ÓPTIMO. UM ÓPTIMO TRADUTOR DE TI.

(+ Risos)

Ele - Também estou um bocado à toa com o texto. Não sei muito bem. Espero que eles comecem mesmo a propor coisas para o espectáculo. Porque nós não vamos propor nada.

Ela - Eu espero principalmente que eles fiquem com vontade de tomar rédeas da coisa. Mesmo que naturalmente as propostas às vezes não sejam, não é certas que eu quero dizer, não sejam tão... afirmativas, nem tão seguras da parte deles, mas que tenham mesmo vontade de fazer daquilo uma coisa deles. E acho que o que era fixe era conseguirmos isso. Claro ajudá-los no que pudermos, e ir orientando daqui e dali, mas sentir-se de facto, percebes, que aquilo é deles.

Ele - Sim, mas mesmo por exemplo, eles sempre que estavam a discutir, acabavam a olhar para nós quase como se nós tivéssemos a explicação, ou fizéssemos o consenso da coisa.

Ela - Sim, mas isso é uma coisa natural...

Ele - Mas não pode ser…/ Eles é que têm de arranjar o consenso...

Ela - Pois não pois não..../ Com certeza que não..... Mas eles se calhar não estão habituados que seja assim. Vais fazer um workshop e estás à espera que te seja ensinado uma técnica ou um modo ou um.... blahhhhhhhh

Ele - Por isso é que eu estava a dizer, mesmo quando lhes dizes que não temos uma técnica, ah, aproximamo-nos das coisas aos poucos, ah, isso é fácil de ouvir, mas no fundo de entender, ou de sofrer...

Ela - Na praxis tu dizes...

Ele - ...é muito complicado. (Longa pausa)

Ele - Mas eu acho que vai desistir muita gente, eu acho que vai desistir muita gente.

Ela - Pois talvez. Provavelmente.

Ele - Se calhar também deveríamos fazer uma espécie de uma lista bibliográfica curta.

Ela - Para eles poderem consultar. Mesmo que não seja para agora. Mesmo que seja para a vida.

Ele - Sim para a vida.

Ela - Isso podia ser interessante.

Ele - Mas nota-se por exemplo que eles têm uma formação muito melhor agora do que nos meus anos. Têm mais questionamento em relação às coisas, por exemplo.

Ela - Isso é bom. Sim, mas ainda assim sentes que as coisas existem de uma forma muito académica.

Ele - ...Por exemplo, já encaram as coisas da performance como já fazendo parte do universo teatral. Continuam a achar que historicamente ainda há diferenças, e há diferenças, mas ainda assim já a aceitam como fazendo parte do teatro.

Ela - Já não sectarizam tanto. Queres dizer com isso que há esperança para as novas gerações?

Ele - HÁ ESPERANÇA PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES.

Ela - (Gargalhadas). Eu fiquei muito contente ontem. Ia assim com um bocadinho de medo. Mas fiquei contente. Bom, acho que levaram com a bomba pelos cornos abaixo, não, aquilo também foi pum pum pum toma lá toma lá toma lá, toma lá o Deleuze, toma lá mais isto, toma lá toma lá toma lá...

Ele - E não levámos metade das coisas...

Ela - Pois bem sei...

Ele - Ainda falta muita...

Ela - Bem sei...

Ele - Não vamos trazer, mas pronto, ainda falta muita, não se pode trazer tudo.

Ele - Claro que não. Nem sequer podemos ter essa pretensão de em duas semanas... podes dar assim umas luzes do que é que a malta anda a pensar, whatever that means...

Ele - Ou se a malta anda a pensar...

Ela - Pois ou não, ou talvez, tem dias... Mas achei.... E há uns mais caladinhos, não é, que não abriram a boca...

Ele - Pois mas esses temos de puxar mais, para falar. As pessoas têm de discutir, não podem ter medo de discutir. Eles é que têm de encontrar soluções para as coisas, não somos nós...

Ela - Pois claro André, mas isso também deve ter a ver com fragilidades...

Ele - Nós já somos institucionais...

Ela - Que tristeza... Coisa tão triste de se dizer...

(Historieta cortada pelo lápis azul)

Ela - Há fibrosa. Há fibrosa. Isso é bom. Agora é perceber onde é que isso bate nos outros. Porque há uns que claramente vês que se expõem mais, porque se dão mais à conversa, agora é isso que tu dizes, é perceber nos outros onde é que a coisa bate, e o que é que lhes interessa, e o que é que andam a pensar, se andam se não andam, o que é que lhes apetece fazer de facto. Gosto de pensar nisto como: estamos a criar desejos de autonomia.

Ele - Sim é exactamente isso. Exactamente isso. Eles têm de ser autónomos, têm de ser absolutamente autónomos. Não podem defender mais nada. Têm de ser autónomos.

Ela - Sinto-me num programada da Bárbara Guimarães. Assim a conduzir e a falar com o maestro.

Fim do Lado A

LADO B

Ele - Dizia eu que se calhar era mais fácil ter escolhido o texto do Zé.

Ela - Pois, o Molière é mais rico, no sentido em que, (inglês com sotaque russo) ZÉ I LOVE YOU, YOUR TEXT IS GREAT, mas é mais rico no sentido: tu perceberes onde é que eles entram em falácia. Percebes... Pois porque era aquilo que dizias, agora o Avarento é o ministro, nesse tipo de correspondência fajuta. Dar-lhes-á mais trabalho no sentido... até porque a informação que eles têm do Molière vai-lhes pesar de alguma maneira. E tudo isso são preconceitos teatrais. E como é que tu combates esses preconceitos. Era a história da Macha de verde fluorescente. Eu não tenho problema que ela vá de verde fluorescente. Mas porquê?? Porque é que há de vir de verde fluorescente?? Só porque é a antítese do preto?

Ele - Pois pois pois. É a forma, é sempre forma. Eles têm de largar a forma. Têm de perceber que a forma e o conteúdo são duas coisas que funcionam em conjunto. Não pode ser só uma coisa, não pode ser só forma, ou um conteúdo mínimo. Não tem de ser um conteúdo máximo e uma forma assim-assim. QUALITY NO, ENERGY YES.

Ela - YEAH. (Pausa) Acho que eles vão ficar loucos quando chegar à fase do eu quero fazer xis, e nós com os porquês, queres fazer mas porquê, explica-me lá. Aí vai ser a demência. Acho que aí vai ser uma zona dura. No sentido em que queres por a Macha de fluorescente, está óptimo, agora porquê??

Ele - Sim, devemos trabalhar num sentido mais prático mas sem deixar o lado da conceptualidade.

Ela - Sim, nunca nunca.

Ele - Porque senão cometemos um erro enorme que é deixar fazer... fazer. Temos que encontrar sempre a plataforma de entendimento anteriormente ao fazer. Não é, ah agora vamos lá fazer o Molière. Se não há coisas entendidas não podes estar a fazer o Molière.

Ela - Não podes. Não podes saltar etapas. Senão vamos parar à zona dos equívocos. E aí não estás a ser nem fixe para eles nem para nós. Fixe no sentido em que nem eles estão a descobrir coisas novas, nem nós.

Ele - E ainda não falámos da questão do gosto. Não se discutiu o Gosto.

Ela - Ainda. Disseste bem. Aflorou-se um bocadinho mas ninguém quis pegar na coisa.

Ele – Pois.

Ela - Quando eles perguntavam, então e se quando apresentas um espectáculo se as pessoas te dizem que está mal. E que eu dizia, o pá se me explicarem porque é que está mal por a + b e o que é que está errado por a+ b, eu vou pensar no assunto, se me disserem que está mal porque eu não gosto... (pausa)... não gostas, não gostas. Também não quero, nem parece que seja a nossa missão ali, whatever that means, que é obrigar as pessoas a gostar do que eu gosto. É descobrir o que é que eles gostam, e dar-lhes ferramentas para eles defenderem o que gostam com unhas e dentes.

Ele - Eu devia estar a aprender este caminho. Este caminho não tem um carro!!

Ela - É óptimo não é?! (Pausa)

Ele - Bem uma coisa é certa, nenhum deles quer fazer Molière à la Molière. Agora a questão é, então o que fazer.

Ela - Então o que é que querem fazer.

Ele - Isso é giro, pelo menos já têm isso garantido que não vale a pena fazer aquilo de uma forma antropológica, já está garantido. Ainda assim, lutar contra o soninho, é uma coisa importante. Se calhar devíamos arranjar bandejas de café.

Ela - E Coca-Colas.

Ele - Fazer shots de café e de Coca-Cola.

Ela - Tipo nós no Discotheater? Sobrevivíamos a café e Coca-Cola?

Ele - Pois.

Ela - Da minha parte não há nada acrescentar. Expectativas para hoje. Só.

Ele - Já agora acabamos a horinha de cassete.

Ela - Sabes o que é que eu acho de valor? É que vamos conseguir comer.

Ele - Isso é de valor. São 6:39. Sabes que também durante o tempo do workshop eu ia pensando no que a Rita estaria a fazer, tanto tempo fechada, o que é que estaria a destruir?(Final censurado pelo lápis azul)


Fim do Lado B