sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Já tinha saudades de uma coisa assim

"O meu amigo Eça de Queirós, que tem andado comigo, com uma muleta, e com uma resma de papel, a procurar pelo reino um sítio limpo de maçadores, de moscas e de cozinheiros afrancesados, para aí acabar de escrever A Relíquia, chega-me hoje da Granja (...). Ao sentarmo-nos à mesa para almoçar juntos no Palácio de Cristal, com Antero de Quental, Guerra Junqueiro e Oliveira Martins, soubemos que no clube da Granja o nosso amigo perdera na véspera a aposta de um leque numa partida de bilhar com uma das banhistas. Uma das condições da aposta era que o leque seria escrito pelos amigos com que Eça de Queirós tinha de vir almoçar ao Porto.
À sobremesa fizemo-nos pois servir um tinteiro e uma pena de cozinha, e entre a pera e o queijo, o leque, comprado no Bazar do Palácio, de cetim cor de ouro ornado de uma aguarela representando um grupo de cinco cães, ficou escrito do seguinte modo:

OS LATIDOS
I. Quem muito ladra, pouco aprende. Antero de Quental.
II. Escritor que ladra não morde. Oliveira Martins.
III. Dentada de crítico cura-se com pêlo do mesmo crítico. Ramalho Ortigão.
IV. Cão lírico ladra à lua; cão filósofo aboca o melhor osso. Eça de Queirós.
V. Cão de letras - cachorro! Guerra Junqueiro.

ENVOI
São cinco cães, sentinelas
De bronze e papel almaço;
De bronze para as canelas,
De papel para o regaço.

O leque foi para a Granja com Eça de Queirós."

Ramalho Ortigão, As Farpas