terça-feira, 3 de abril de 2007

Workshop E.S.T.C.

2ªsessão

Mais uma vez Ele e Ela na Helena Rubenstein

Lado A


A Canção de Lisboa
De Filipe la Féria


Ele – Ok começa o dia dois…

Ela – Ponto alto, ponto altíssimo do dia de ontem: La Féria é Arte ou não?

Ele – Sim esse é um ponto muito alto.

Ela – Muito alto, muito alto. E não se perceber por que é que não é.

Ele – Por que é que não é e é entretenimento e por que é que o entretenimento há-de ser visto como melhor do que a arte e não simplesmente como uma coisa diferente.

Ela – mas isso por acaso bateu-me imenso… Mesmo… E comecei a ficar irritada com aquilo , houve uma altura que eu já só berrava. Só dizia: oh pá por favorrrrr… por que acho que há muitos equívocos também, na cabeça deles, ainda… no sentido em que…Não são equívocos estruturais - que também há acho eu – mas equívocos no sentido de não saberem muito bem o que querem, como querem, para quê querem. Se calhar faz parte não é?

Ele – Sim mas acho que já… Acho que ontem foi muito mais elucidativa a conversa. Muito activa .

Ela – Sim, porque as pessoas também se implicaram mais já estava tudo mais à vontade e já toda a gente… E houve mesmo ali momentos em que a coisa ferveu!

Ele - Não percebi se houve desistências ou não.

Ela – Não! Eu, parece-me que o Tomé desistiu

Ele – Pois também acho que sim. Desistiu.

Ela – A meio do dia de ontem… mas as outras pessoas que faltaram um deles foi aquele tipo, não me lembro do nome dele, da Madeira .

Ele – Ah sim, sim.

Ela – Ele tinha-nos avisado que não ía…

Ele – Pois, pois, pois.

Ela – E as outras duas mandaram … a outra é a Yolanda, mandou um recado pelas outras meninas a dizer que não podia ir mas que hoje ia…

Ele – Bom… Uma coisa também é importante… Perceber que não podemos montar o Moliére, o texto todo do Moliére, mas sim trabalhar com aquelas cenas. Isso leva para um caminho completamente diferente, uma coisa é montares o texto todo…

Ela – Claro.

Ele - …Outra coisa é teres aquelas cenas que.. à partida tens de que montar as cenas com uma outra lógica. Não podes montar..

Ela – Com certeza.

Ele – Isso também foi importante.

Ela - Pois e também gostei de chegarmos aí… não ser uma coisa que tivéssemos os dois decidido à priori… Sabes? Que fosse uma coisa que fosse descoberta ali que saltasse das conversas que estávamos a ter… isso também gostei muito…ahhhhhh… mais coisas que eu gostei muito do dia de ontem…a voz de pessoas que não tinham aberto a boca no dia anterior ouvir-se…

Ele – Sim.

Ela – Com questões e interessados … Foi bom…Pronto há sempre uns que são mais efusivos… equívocos de que tudo é válido também alguns a saltar..

Ele – A Arte Metafísica!

(Risos Ela)

Ele – A questão da forma, outra vez
.
Ela – Sim, outra vez, outra vez…

Ele – Do Belo, no fundo é o Belo. Fazer porque é Belo.

Ela – Mas sabes que eu nem…eu acho que nem é porque é Belo… e também fiquei contente e acho que é importante ter-lhes dito que eu não quero que eles façam nada à la Teatro Praga.

Ele – Whatever that means!

Ela – Sim, whatever that means, ou… Mas percebes o que eu estou a dizer?

Ele – Sim, sim, sim, sim

Ela – No sentido que.. que não quero nada que me convençam com ideias… Que eles pensem para mim. Quero que eles pensem para eles. Porque acho, sinto, intuo que há ali possibilidades de isso acontecer. Umas pessoas fazerem o que acham… o que acham que nós esperamos que eles façam.

Ele – Mas o que é estranho é que por exemplo…ahhhhh…ahhhh…coisas fragmentárias e objectos do quotidiano etc.deixam de ter umaaaaa… deixam de ter uma lógica conceptual e passam a ser… coisas puramente formais.

Ela – Sim.

Ele – Mas isso é um bocado estranho. Como é que tu deixas de pensar sobre essas coisas? Como é que… Como é que elas passam a ser, pronto, são um efeito. Não há um… não há um pensamento.

Ela – Pois, não sei muito bem. Quando fizemos a pausa para ir fumar lá fora a Margarida estava-me a perguntar: então quando vocês dizem que não marcam as coisas, ela tinha ido ver o Quarteto, o Quarteto tinha uma ordem muito definida…

Ele – Se calhar podemos por dentro do parque não se paga.

Ela – Para quê?

Ele – Não sei qual é a saída em que ele vai sair.

Ela – Mas ele há-de dizer alguma coisa… Ahhh… Ela estava-me a dizer: Por exemplo vocês faziam a dobragem quando era a dobra… naquela zona de texto, porque aquela zona de texto é que batia nas bocas. Mas isso não tem a ver com marcação de cena tem a ver com mecanismos que tu recorres para o espectáculo.

(conversa cortada pelo Lápis Azul da censura)

Ele – Eu acho que ainda há um preconceito em relação à arte e à intelectualidade e ao não abranger muita gente… Não… Não …É um bocado estranho Esses ideais do produto cultural como…como…como…

Ela – Um produto massificado

Ele – Sim um produto massificado.

Ela – Ou melhor um produto para massas.

Ele – Sim para massas. Pode ser. Mas pode também não ser.

Ela – pode ser mas não tem de ser. Ou seja, tu não tens de produzir com esse sentido, não deves estar a criar a pensar que… sim mas isso vem de uma lógica completamente nhec… que é a lógica que te é imposta. Tens de ter não sei quantos espectadores, tens de fazer não sei quantos espectáculos por ano… (toca o telemóvel dele) olha será o Zé.

(Pausa para o Zé entar em cena)

Ele – Voltámos!

Ela – Mas tem a ver com uma lógica que te impõem… que de repente… era aquilo que dizia a Joana que é : o La Féria tem as costas quentes porque tem não sei quantos espectadores. Oh pá bestial que ele tenha não sei quantos espectadores. E é bom que venda e ainda bem que vende mas tu não podes nem queres entrar nesse campionato.

Ele – Pois claro.

Ela – Não podes é exigir que se compita com isso.

Ele – Pois, não podes, não podes.

(Zé finalmente entra em cena)

(Conversa cortada pelo lápis azul da censura)

Ela – E continuas a achar que vão desistir muitos?

Ele – Não sei, não sei.

Ela – Eu agora já acho que vão desistir menos… eles ontem estavam todos… todos entusiasmados, e isso é bom! Tem o seu valor… Mais coisas importantes… gosto muito da confusão que lhes faz o que é que o Zé fez com o texto do Moliére… gosto imenso… eles sempre a perguntarem: Ele rescreveu como e porquê?

Ele - Sim isso é fora.

Ela – O Zé hoje vai ser absolutamente bombardeado. Aquele género então e não sei o quê? E mais não sei o quê?

Ele – Não o que me faz mais aflição é que parece que… é sempre a lógica … agora já não usam a palavra desconstrução mas há sempre uma lógica de que estás ali para fazeres o que quiseres com um texto… para desconstruires um texto.

Ela – Pois há, pois há… mas era nesse sentido que eu te dizia…

Ele – Isso é absolutamente fora porque… parece que às vezes não entra… tu estás sempre a ler o texto à tua maneira mesmo que a lê-lo supostamente de acordo com as intenções do autor… estás sempre a lê-lo à tua maneira…

Ela – Sim!

Ele - … E qual é a diferença entre tu fazeres uma coisa ou fazeres outra é sempre à tua maneira!

Ela – Claro! Mas isso tem a ver com a recepção que eles… recepção absolutamente formal quase estética…

Ele – Mas isso é bom!

Ela – Que eles fazem do… os que conhecem o nosso trabalho, que fazem dos trabalhos n’é porque quando… quand…

Ele – Não, mas pode ser. Isso pode ser. Eu acho que tu podes ter uma… podes ter uma, ummm, ummm, podes observar um espectáculo de diversas formas, quer seja formal, quer seja simbólico, ouuuu… ouuuu altamente hipertextual etc.

Ela – Com certeza que podes.

Ele – Agora tu como criador tens de ter muito cuidado. Podes optar por fazer formalmente um trabalho…

Ela – mas isso é a velha questão que lhes estamos sempre a dizer. Se quiseres fazer a reconstrução histórica, faz…

Ele – Mas tens de justificar.

Ela – Mas explica-me porquê…

Ele – Pois, pois, pois, pois.

Ela – Explica-me muito bem por que é que a queres fazer.

Ele – Pois, já não basta… Se calhar, na verdade, será muito mais interessante fazeres uma reconstituição histórica… hoje em dia. Não sei, eu vejo-os a falar sobre… ahhhh, os objectos quotidianos e, e as tais lojas do chineses etc. e aquilo já está tão garantido, já não tem questionamento nenhum…

Ela – Pois.

Ele – Se calhar mais vale fazer o trabalho inverso, que é monta-lo de uma forma absolutamente antropológica e justifica-la ao máximo.

Ela – Sim, sim…

Ele – Isso será provavelmente muito mais… ahhhh interessante dialéticamente do que… um simulacro constante de trabalhos anteriores ou da Pina Bausch etc…. também há um certo misticismo, se calhar, à volta das coisas….

Ela – Eu depois também gosto de sentir que há… há uns quantos em ebulição e que estão fodidos por não ter tempo para…p’ra ir à procura de coisas… isso também foi muito lindo ontem… A Ana é que me dizia: Eu agora pá vou para casa cheia de coisas na cabeça e não consigo dormir, ao mesmo tempo também não posso ir fazer nada porque amnhã tenho de estar aqui na escola às 9 da manhã… Não dá, não dá! – dizia-me ela. (passamos de carro pela avó dela) AHHHHHHH ! A minha avó!

Ele - Oh! A avó Mila!

Ela – Que querida!

Ele – Coisa mais querida do mundo.

(divagação gastronómica sobre o cozido à portuguesa da avó Mila)

Ele – Bom na verdade foi tanta coisa ontem.

Ela – Foi muita coisa, foi. Mas foi assim muita coisa…

Ele – Mas foi activo, foi activo…

Ela – Foi super activo.

Ele – Isso é muita bom!

Ela – Eu estava com imenso medo porque como começamos com a…a…

Ele – Eu julguei…

Ela - … Com a entrevista do…

Ele – Eu julguei que metade das pessoas não aparecesse.

Ela – Pois isso eu também achei. E depois achei que metade das pessoas ia-se suicidar depois da entrevista sobre os “Mil Planaltos”. Pensei, pronto, agora é que isto vai rebentar… os que cá estão vão aproveitar a pausa para cigarro para agarrarem nas coisinhas e irem à vida deles. Mas não… não! Gosto muito da atitude não percebi falem um bocadinho sobre.

Ele – Pois, pois, pois…

Ela – Acho boa onda. E foi de facto super activo, mas foi activo em catadupa n’é? E nem sei como é que os saltos se deram! Sei que houve um bloco que começou no Deleuze e acabou no La Féria.

Ele – Mas, se calhar, devíamos hoje fazer um exercício que era: pensar porquê fazer Moliére à la Moliére. Como é que tu podes justificar fazer Moliére a lá Moliére, ou não fazer o Moliére…ahhhhhhh . com estás coisas garantidas da comtemporâneidade, mas nós também não estamos a fazer o texto, a verdade é essa, é impossível!

Ela – Sim e não podemos ter essa ilusão de que estamos a fazer Moliére. De facto não estamos. Estás a usar Três cenas para cruzar com outros materiais

Ele – Tens razão, tens razão.

Ela – E no caso de pegarmos também nas cenas do Zé e de cruzarmos com as cenas do Zé com as cenas do próprio do Moliére…

Ele – Também gostei muito quando eles nos perguntaram o que é que nós gostávamos na actividade teatral portuguesa.

(Risos)

( conversa cortada pelo lápis azul da censura)

Lado B
Ou o que é feito de ti Ruth?

Ele – Dizia a Cláudia que quando entrou depois da pausa para cigarros o Tiago falava sobre a Ruth Rita…

Ela – queria fazer um espectáculo sobre o que é que tinha acontecido à Ruth Rita, quem era a pessoa do Macaco Adriano, por que é que as pessoas nos anos 90 vestiam calças aos quadrados e ainda quem é que subia o pau de sebo no Big Show Sic.

Ele – Não pode! Eu disse que se isso fosse de uma modo puramente formal e intuitivo não pode sem justificar essas decisões.

Ela – Eu disse que se assim fosse que não ia ver os espectáculo porque queria continuar a gostar dele…

Ele – Mas até ia ver!

Ela – Vais ver?!?!?

Ele – Vou, gosto da Ruth Rita e quero saber quem é o Macaco Adriano.

Ela – Eu queria imenso é que ele me convidasse para ser a Ruth Rita do espectáculo dele.

Ele – Mas ele quer a Ruth Rita verdadeira!

Ela – Mas isso já é domínio das Artes Plásticas!

Ele – É verdade, é verdade!
(Risos)

Ele – Tens mais alguma coisa a acrescentar?

Ela – Não.