O AVARENTO
OU A ÚLTIMA FESTA
Comédia em cinco actos
De José Maria Vieira Mendes
A partir de O Avarento de Molière
© João Tuna / TNSJ / Teatro Praga (Clicar na imagem para aumentar)De 27 de Junho a 8 de JulhoTerça a Sábado às 21:30 Domingos às 16:00Info: 800-10-8675 /
http://www.tnsj.pt/Bilhetes: TNSJ, TeCA,
http://www.ticketline.pt/,
http://www.plateia.iol.pt/Co-produção: Teatro Nacional São João / Teatro Praga
Colaboração: O Espaço do Tempo
Temporada em Montemor-o-Novo: 4 e 5 de Janeiro de 2008, Espaço do Tempo
Temporada em Lisboa: 11 a 19 de Janeiro de 2008, Centro Cultural de Belém
Uma co-criação de: André e. Teodósio, Cláudia Jardim, José Maria Vieira Mendes, Marcello Urgeghe, Martim Pedroso, Paula Diogo, Patrícia da Silva, Pedro Penim, Rogério Nuno Costa, Romeu Runa e Sofia Ferrão.
Iluminação: Daniel Worm d’Assumpção
Direcção de produção: Pedro Pires
Personagens e Intérpretes:
Arpagão o Forreta - Pedro Penim
Elisa filha de Arpagão - Cláudia Jardim
Cleanto filho de Arpagão - Romeu Runa
Varela preceptor de Elisa - Martim Pedroso
Marina amor de Cleanto - Patrícia da Silva
Dona Alzira mãe de Marina - Paula Diogo / Sofia Ferrão
Engenheiro Maleiro pretendente de Elisa - Marcello Urgeghe
Anselmo criado de sete ofícios - Rogério Nuno Costa
Larcão jogador, amigo de Cleanto - Martim Pedroso
Valter jogador, amigo de Cleanto - Patrícia da Silva
Pineta jogador, amigo de Cleanto - Rogério Nuno Costa
Vidente - Paula Diogo / Sofia Ferrão
© João Tuna / TNSJ / Teatro Praga (Clicar na imagem para aumentar)“É longo o caminho que vai do projecto à coisa.”Jean-Baptiste Poquelin dito Molière
A concretização deste espectáculo deve-se a uma dupla combinação: a proposta de Ricardo Pais, que arrisca convidar-nos para uma co-produção com o Teatro Nacional S. João; e a proposta do José Maria Vieira Mendes de reescrita de um daqueles textos teatrais considerados canónicos (mecanismo pertinente em relação ao Avarento, pois Molière também fizera o mesmo a uma peça de Plauto). A experiência de trabalhar com o José Maria Vieira Mendes, dramaturgo vivo e português, começou com o espectáculo Super Gorila (uma co-criação com André e. Teodósio, estreada em 2005 em Montemor-o-Novo). Se nesse espectáculo havia um bombista que tentava repetidamente rebentar o teatro, na tragicomédia Avarento surgem várias figuras na iminência de implodir com tanta raiva acumulada entredentes, pois “a maior parte das doenças começa na boca”
[1].
Ver este espectáculo implica “voyeurizar” um conflito agonístico com total incapacidade de intervenção; são essas irascíveis teimosias entre familiares, amigos, interesseiros e montanheiros (para além de eventuais pára-quedistas) que podem provocar no espectador o esboçar de um riso. Nem uma festa, corolário da paz, salvará a animosidade. Aliás, vampirizemos um pouco os géneros cinematográficos e digamos que este Avarento inaugura um novo género teatral: o Teatro-Catástrofe
[2] (mas sem espectacularidade, o que em si pode parecer um paradoxo). Explicamos: às tantas o autor, este que ainda está vivo, resolveu anunciar, gaguejando, que um dos seus propósitos na escrita do texto era matar as nossas festas, Fazer a Última Festa dos Praga (reduzindo os nossos acessos dionisíacos/demoníacos a meras insignificâncias estéticas, como se já não fizessem sentido no poderoso mundo apolíneo do mito). Tinha construído assim a primeira de inúmeras punchlines por vir.
– Bárbaro.
A gaguez, para além de caracterizar o fluir do bárbaro, é também o mecanismo do humor. O humor é o que faz gaguejar uma língua, tropeçar no nosso próprio território. Humor é atonal, é traidor, é traição, é linha de fuga, é roubo, é absolutamente imperceptível (não reside necessariamente em trocadilhos e em desconstrução física que são significantes, que são como um princípio no princípio)
[3]. Humor é trairmo-nos por atravessarmos um perigo = experer (experimentar). É nesta traição que humor e tragédia se tornam inseparáveis: terrível atropelamento por um Hummer™. Explicamos:
Rir para Molière era um meio e não um fim. O humor (ao contrário da ironia) é um devir que nos desloca do espaço onde nos querem colocar, infelizes, incapazes, disponíveis para a impostura. Humor é um jipe no devir-deserto
[4]: Um Hummer™. E se, como diz a citação inicial, longo é o caminho, o meio só poderá ser um Hummer™; e o objectivo, mesmo que involuntário, um atropelamento.
Este texto faz parte de uma trilogia do autor sobre as relações entre Pais & Filhos (que vai para além do seu significado primordial e familiar). Não há palavras exactas suficientes para as sintetizar e também não há metáforas (as metáforas sujam e embaciam). Só há palavras inexactas para designar coisas exactas, e tudo isto em constante mutação. É nesse humor, e sobre a imperceptibilidade de alguns “temas-chavão”, que o Avarento opera. Usando a liberdade de comparação, diríamos que o texto do Vieira Mendes partilha alguma da riqueza na manipulação linguística de Nuno Bragança (autor injustamente esquecido) ou César Monteiro e algumas das (des)ilusões da escrita teatral presentes na dramaturgia de Thomas Bernhard, isto é: Textos-que-ocupam-territórios-opticamente-correctos-mas-de-difícil-apreensão. Jogos sobre as ditaduras invisíveis da prática e da escrita teatral, reconhecendo-as e tornando-as ainda mais tirânicas. Exemplos: como fazer cair a noite, como fazer passar os dias, como complexificar e desmultiplicar personagens lineares, como pôr novos a fazer de velhos, como morrer em cena, como fazer um espectáculo com um elenco numeroso, como fazer nascer o sol, como propor um realismo cenográfico exageradamente impossível, ou então coisas tão simples como: fazer um prólogo, um intervalo, um acto que não existe, um epílogo.
Neste Avarento - possível palco para infinitas e histéricas afirmações políticas e estéticas como: a distribuição do poder dentro de uma mesma geração (a do “Jonas” que fez 25 anos no ano 2000
[5]), a vigilância panóptica das cidades contemporâneas (disciplina e mutilação), velhos vs. novos, a ausência de mãe, os perigos de um mundo calculista, o poder transcendental vs. normas cartesianas sociais, a redução do humano a um valor monetário + quantificação como conhecimento, a casa como representação da economia moderna, divórcio entre economia e ética e entre verdade e valor, paranóia compulsiva como resultante de uma forma de conhecimento objectivamente perfeita, simplismo como certeza fascizante e blá blá blá - renegámos qualquer possível leitura linear, e tentámos desconstruir e “meter-a-pata” no texto o menos possível.
Tudo isto pode ser visto (pelos que nos conhecem ou pelos que têm algumas expectativas) como uma espertalhona/pouco inovadora manoeuvre classicista (representação vs. apresentação).
O que podemos dizer neste caso, e seguindo a senda Viriliana, é que é tudo uma questão de perspectiva.
Teatro Praga
[1] Mendes, José Maria Vieira (2003). T1. Livrinhos de Teatro/Artistas Unidos.
A cura será então esta: “De forma a curar os efeitos secundários do pharmakon e desembaraçarmo-nos do parasita, será então necessário meter o exterior de volta no seu lugar. No exterior. Escrever deve voltar a ser o que nunca deveria ter deixado de ser: um acessório, um acidente, um excesso.” Derrida, Jacques (1981). Dissemination. University of Chicago Press.
[2] “Os cientistas ocupam-se cada vez mais de acontecimentos singulares, de natureza incorporal, e que se efectuam em corpos, estados de corpos, agenciamentos inteiramente heterogéneos entre si (daí o apelo à interdisciplinaridade). (..) é um acontecimento que atravessa domínios irredutíveis. Por exemplo, o acontecimento «catástrofe» tal como o estuda o matemático René Thom. (..) Acontecimento significa terror, mas também muita alegria”.
Deleuze, Gilles e Parnet, Claire (1996). Diálogos. Relógio d’Água.
[3] Muitas passagens deste texto foram roubadas da obra citada anteriormente.
[4] a) Deserto: espaço sem referências, que permite povoamento múltiplo de tribos, faunas e flora. O deserto, a experimentação sobre si próprio, é a nossa única identidade, a nossa única oportunidade para todas as combinações que nos habitam. Não querer ser uma coisa, aspirar a ser tanta outra coisa.
b) E se Felicity Lunn & Heike Munder exclamam When humour becomes painfull (2005. JRPRingier Zürich.), nós avisamos: When Hummer™ becomes painfull.
[5] Jonas qui aura 25 ans en l’an 2000, “filme geracional” de Alain Tanner de 1976, que retrata a vida de vários homens e mulheres, na casa dos trinta anos de idade, que depositam em Jonas, uma criança de seis anos, as suas esperanças para o futuro.