Performance: estudos
Ciclo de conferências que tem como ponto de partida o exercício da performance nas artes plásticas mas, pretendendo, complementarmente, abranger algumas extensões temáticas que contribuem para a definição da natureza individual de cada performance.
Para além de uma abordagem histórica, pretende-se uma concentração nessas extensões temáticas, conseguida através do convite a oradores de diferentes áreas, ocupações e zonas artísticas.
Programa:
Quinta-feira, 2 de Novembro - Isabel Carlos *
Performance ou a Arte num Lugar Incómodo: Desde a sua génese nas vanguardas do séc.XX até à sua especificidade enquanto linguagem artística.
* Mestrado em Comunicação Social pelo Depart. de Comunicação Social, Fac. Ciências Sociais e Humanas, Univ. Nova de Lisboa, com a tese “Performance ou a Arte num Lugar Incómodo”; curadora e crítica de arte.
Quarta-feira, 8 de Novembro - Jacinto Lageira *
Forma, material e sujeito do corpo: o corpo considerado como forma, material e sujeito em produções performativas.
* Professor de estética na Université Paris 1 – Pathéon Sorbonne; crítico de arte.
Quarta-feira, 15 de Novembro - Liliana Coutinho *
Judson Dance Theatre: algumas repercussões
* Doutoranda na École Doctorale d’Arts Plastiques, Cinema e Sciences de l’Art, na Université Paris 1 – Pathéon – Sorbonne, onde desenvolve uma investigação intitulada: “Pour um discours sensible – sur la capacité cognitive du corps dans l’experience de l’art.”; curadora e crítica free-lancer.
Quarta-feira, 22 de Novembro - Rui Horta *
Corpo/Espaço: Perspectiva de um utilizador do corpo e do espaço enquanto matéria artística.
* Coreógrafo e director de “O Espaço do Tempo” – Centro Coreográfico de Montemor-o-Novo.
Quarta-feira, 29 de Novembro - Pedro Tudela *
Performance/Multimédia: Relação entre a performance e as novas tecnologias.
* Artista Plástico; colabora com o grupo Virose; co-fundador e um dos elementos do projecto de música electrónica @c; co-fundador e um dos elementos da media label crónica.
Quarta-feira, 13 de Dezembro - Delfim Sardo *
Da ideia de performatividade à questão da documentação; O surgimento do filme e da fotografia no contexto da performatividade; O conceito de “alta-performatividade” e os limites da acção.
* Curador, ensaísta e docente universitário.
Organização Renata Catambas, Lúcia Prancha e Ana Lúcia Luz (FBAUL)
Co–produção: AEAPDFBAUL/Culturgest
Apoio: Reitoria da Universidade de Lisboa/ Junta de Freguesia dos Mártires
conferências · 2, 8, 15, 22 e 29 de novembro e 13 de dezembro de 2006 - 18h30
Pequeno Auditório - Entrada Gratuita (Levantamento de senha de acesso 30 minutos antes do início da sessão, no limite dos lugares disponíveis)
domingo, 29 de outubro de 2006
quinta-feira, 26 de outubro de 2006
EUROVISION
Festival A8 LAB - Torres Vedras
27 e 28 de Outubro (21:30)
15 de Novembro (11:30)
16 de Novembro (16:00)
17 e 18 de Novembro (21:30)
co-produção Teatro Praga / Transforma AC / ZDB
um espectáculo de Pedro Penim, André e. Teodósio e Martim Pedroso
com a colaboração de Rogério Nuno Costa
produção: Pedro Pires
Transforma AC/Tzero Praça do Município, 8 - 2560 289 Torres Vedras
tel +351 261 336 320 - e-mail info@transforma.mail.pt
27 e 28 de Outubro (21:30)
15 de Novembro (11:30)
16 de Novembro (16:00)
17 e 18 de Novembro (21:30)
co-produção Teatro Praga / Transforma AC / ZDB
um espectáculo de Pedro Penim, André e. Teodósio e Martim Pedroso
com a colaboração de Rogério Nuno Costa
produção: Pedro Pires
Transforma AC/Tzero Praça do Município, 8 - 2560 289 Torres Vedras
tel +351 261 336 320 - e-mail info@transforma.mail.pt
Livro XXI
?? 2004 Tabacaria na Avenida General Roçadas 5€
Sonhos
de Raul Brandão
O independente
(texto usado no espectáculo 5*****, no Teatro Nacional D.Maria II):
"O teatro aborrece e irrita. Em lugar de ser um espectáculo simples e que emocione, como o de uma árvore que se enche de flor, é uma coisa complicada e embirrenta. O público despreza-o e faz bem. Sempre que uma obra é humana, larga, grande, o público apaixona-se. As coisas simples e trágicas dão-lhe emoção. Terá apenas duas ou três palavras duras como pedras para exprimir o que sente, mas essas bastam para quem tiver imaginação para com elas criar...
O trabalho teatro deve ser, mais que nenhuma outra obra da literatura, uma peça sintética: a alma descarnada das coisas apenas, e, por isso mesmo, para que apaixone, é preciso que seja simples, e cavado fundo no coração humano. Tenho esta imagem: a peça de teatro deveria ser como uma grande árvore sem folhas - nua e coberta de flor. (..) Mas sem frases: vendaval que arraste os espectadores, sintético, sem se perder em palavras - actos seguidos como uma faca que se enterra."
?? 2004 Tabacaria na Avenida General Roçadas 5€
Sonhos
de Raul Brandão
O independente
(texto usado no espectáculo 5*****, no Teatro Nacional D.Maria II):
"O teatro aborrece e irrita. Em lugar de ser um espectáculo simples e que emocione, como o de uma árvore que se enche de flor, é uma coisa complicada e embirrenta. O público despreza-o e faz bem. Sempre que uma obra é humana, larga, grande, o público apaixona-se. As coisas simples e trágicas dão-lhe emoção. Terá apenas duas ou três palavras duras como pedras para exprimir o que sente, mas essas bastam para quem tiver imaginação para com elas criar...
O trabalho teatro deve ser, mais que nenhuma outra obra da literatura, uma peça sintética: a alma descarnada das coisas apenas, e, por isso mesmo, para que apaixone, é preciso que seja simples, e cavado fundo no coração humano. Tenho esta imagem: a peça de teatro deveria ser como uma grande árvore sem folhas - nua e coberta de flor. (..) Mas sem frases: vendaval que arraste os espectadores, sintético, sem se perder em palavras - actos seguidos como uma faca que se enterra."
Foi (publicidade)...
bLectum from bLechdom
26 de Outubro / ZDB
Quote from blevin.blectum.com: “While performing, Kelley and Erickson manipulate sound in real-time, triggering sounds by hand without the use of MIDI. During their performances, the two engage in constant dialogue. It may appear as though they are improvising, but they are actually triggering tracks that have been prerecorded and mixed down… The sound that rolls forth is a driving wave of layered tones, voices and unidentifiable sample mayhem that borders on the verge of structure and noise.”
26 de Outubro / ZDB
Quote from blevin.blectum.com: “While performing, Kelley and Erickson manipulate sound in real-time, triggering sounds by hand without the use of MIDI. During their performances, the two engage in constant dialogue. It may appear as though they are improvising, but they are actually triggering tracks that have been prerecorded and mixed down… The sound that rolls forth is a driving wave of layered tones, voices and unidentifiable sample mayhem that borders on the verge of structure and noise.”
sexta-feira, 20 de outubro de 2006
terça-feira, 17 de outubro de 2006
DISCOS PEDIDOS
Aqui está a versão integral da entrevista de Cristina Margato que o Expresso publicou em 23-09 e que já não se encontra on-line:
Confronto
A verdade do teatro
Luís Miguel Cintra e André E. Teodósio num confronto no qual emergem as questões que os separam no teatro e na vida.
Quando Luís Miguel Cintra se estreou como encenador, em 1969, o fundador do Teatro da Cornucópia queria lutar contra uma ideologia política e um teatro que considerava morto. Só que «os tempos mudaram muito», diz o próprio. Mas o reconhecimento artístico, que na época lhe foi dirigido, não o abandonou em mais de 37 anos de trabalho. Esse lugar incontornável que Luís Miguel Cintra ocupa no panorama teatral actual não quer, porém, dizer que ele seja apenas um criador a quem se deve reverência. Para uma geração mais nova, Luís Miguel Cintra também corresponde a um modelo que pretendem contradizer e a um caminho do qual se querem desviar. André E. Teodósio (Teatro Praga), com 29 anos, dá voz a alguns dos argumentos que defendem a diferença face ao que consideram «a matriz» Luís Miguel Cintra. Num confronto que o EXPRESSO desencadeou, dois homens com quase trinta anos de diferença e muitas gerações pelo meio enfrentam-se, e, ao fazê-lo, não emergem apenas as questões que os separam - no teatro e na vida. Dois mundos seguem num ziguezague de encontros e desencontros.
EXPRESSO - Gostaria que começassem por tentar encontrar as diferenças na forma como existem no teatro.
ANDRÉ E. TEODÓSIO - O teatro, para mim, começou por ter muita importância desde que vi os vídeos apresentados por Jorge Silva Melo e muitas encenações de Luís Miguel Cintra, no Conservatório. O peso dos mestres iniciou-se aí. Durante muito tempo foi difícil quebrar o trabalho de Jorge Silva Melo ou de Luís Miguel Cintra. Queríamos perceber como nos poderíamos encaixar no espírito do tempo e conquistar um espaço. Nos primeiros espectáculos do Teatro Praga (há dez anos) ainda existia um aspecto naturalista e realista. Os trabalhos eram simulacros de trabalhos da Cornucópia. Não se entendia o âmago da própria questão teatral. Hoje, tentamo-nos encontrar em algo a que Richard Foreman chamou de bombas de diferenciação e criar novos espaços dentro do próprio teatro que o possam revitalizar, sem que, por isso, nos achemos os melhores. Procuramos um caminho diferente. Nem melhor nem pior.
LUÍS MIGUEL CINTRA - Uma das coisas que me faz respeitar o vosso trabalho - e por isso estranho que sublinhes a importância das companhias e das pessoas mais velhas - é reconhecer no vosso grupo essa vontade de fazer diferente, de inventar. Desde o princípio que desejo conseguir fazer em grupo. Foi uma ilusão da minha geração. Quando começámos no teatro independente queríamos constituir grupos contra o teatro de empresário ou institucional, em que as pessoas não fossem mandadas, em que fizessem o que correspondia ao seu desejo de inventar. Isso aconteceu por generosidade de umas pessoas em relação ao projecto de outras; e muito pouco, de facto, como uma criação estabelecida em grupo. Parece-me que vocês têm independência mesmo em relação aos programadores ou às salas institucionais. A maior distância entre nós pode estar na relação com o texto e naquilo que foi um sentido de missão pública. Porque na minha cabeça e na da minha geração ainda existe a ideia de que podemos e queremos intervir no espaço público. Quando começámos, queríamos formar espectadores, intervir culturalmente, provocar de forma política. Com as mudanças que o tempo trouxe é muito mais difícil e complicado encarar esses assuntos.
A.E.T. - No Teatro Praga somos nove e temos relações diferentes com o texto. No entanto, lembro-me de ter lido (no livro de Maria Helena Serôdio) que Luís Miguel Cintra diz tentar respeitar ao máximo o autor. Não tenho esse problema. Semioticamente, é um erro fatal. O autor é o autor. Interessa-me a minha relação com o texto, com determinadas imposições linguísticas, estilistas, históricas. A relação com o texto não é construtiva ou desconstrutiva, é a minha. Outra grande diferença entre nós passa pela questão do símbolo. O L.M.C. trabalha com a metáfora. Nós, mesmo parecendo que insistimos nas metáforas, apenas tentamos criar um jogo de ligações para o público. As metáforas levam-nos ao erro totalitário. Daí os nossos trabalhos não terem essa dimensão política. Demitimo-nos dessa dimensão por acreditar que em nome das grandes ideologias de esquerda e direita foram cometidos tantos erros! A política para nós é criar diferenciação, criar pequenos pólos e esperar que esses pequenos pólos façam frente a essa grande massa, que acaba por ser o país e Portugal.
L.M.C. - O que são esses pequenos pólos?
A.E.T. - Pequenos núcleos de pessoas que vivem à volta de opiniões políticas, mas não ideológicas. Nos anos 80, o político corria o risco de se tornar ideológico. Queremos que a nossa política não seja ideológica. É como na grelha rizomática de Gilles Deleuze, em que o mundo não tem núcleo e, em vez de ser redondo, tem vários quadradinhos, a partir dos quais as comunidades interagem.
L.M.C. - Vocês não têm nenhuma esperança nem nenhuma ilusão de poder mudar o mundo?
A.E.T. - Sei que não se pode mudar o mundo. É a verdade, embora me custe admitir.
L.M.C. - Aí há uma diferença fundamental. Quando tínhamos a vossa idade, acreditávamos que isso era possível, e por isso lutávamos para tentar modificar as pessoas. Por outro lado, percebo-te muito bem. Também me questiono sobre a possibilidade de um teatro que seja a criação de metáforas (ou que interprete um texto através de metáforas) se tornar impositivo...
A.E.T. - É muito perigoso.
L.M.C. - Num dos últimos trabalhos (A Gaivota, de Tchekov), escrevi um texto em que colocava esse problema; porque perante um texto como aquele senti que era errado tentar impor ao público uma interpretação. Procurou-se que no trabalho de encenação e de interpretação ficasse um espaço subtil ou frágil, de modo a não se tornar impositivo em relação ao público e a não impedir que se sentisse a distância que vai do texto escrito ao texto encenado. Entre nós há uma outra grande diferença, que passa pela humildade e pela postura quando se está a apresentar. Quando recebi o Prémio Pessoa disse que tenho muito orgulho em ser intérprete e tento ser apenas um intérprete, no sentido em que um director de orquestra é também intérprete de uma partitura que já tem e, portanto, parte sempre de um amor a um texto. Tenho a ilusão de poder servir como «actualizador» desse texto no momento de o apresentar. Podes dizer que isto é uma ilusão e que de qualquer maneira estou sempre a fazer obra mesmo que diga que não quero fazê-la. Por outro lado, o texto sozinho não interessa. É só o texto e nunca é só aquele texto. Basta passar para o corpo e para a cabeça das pessoas que estão a representar para haver uma apropriação que o transforma.
A.E.T. - Desrespeito o autor a partir do momento que o leio. Nesse momento, já estou a ler com a minha cadência.
L.M.C. - Mas não é isso também que acontece quando estás sozinho a lê-lo em casa?
A.E.T. - A questão passa pelo facto de eu querer servir-me desse texto... Quando diz, «tento respeitar o autor», eu respondo, «eu não sei em que é que ele pode ser respeitado». No teatro, faz-se um jogo com aquilo que o texto nos pode proporcionar, e é só isso.
L.M.C. - Eu não digo isto como crítica e aceito que queiram fazer algo vosso com um texto preexistente.
A.E.T. - Mas nós fazemos textos. Este ano, por exemplo, vamos fazer Frei Luís de Sousa. Gostamos, porém, de nos trocar as voltas e de trocar as voltas aos espectadores que nos vão ver. Outras vezes fazemos espectáculos sobre teorias filosóficas, porque não temos uma relação com o teatro que seja exclusiva ao texto teatral. Um texto teatral é tão bom ou pior do que um romance, um ensaio filosófico ou uma notícia de jornal. Há muitas coisas interessantes no quotidiano. As edições de teatro português são assustadoras, agrupam muitos textos maus que não valem a pena repetir. Não tenho a resposta para o chavão que repito, «devolver ao teatro o que é o teatro», não sou Deus. No entanto, sei que o teatro sempre foi a criação de novas dramaturgias; e nós gostamos de fazer novas dramaturgias. O teatro não é só a criação de um repertório. Não é porque se é alto que se tem de fazer o Romeu. O teatro pode não ter apenas texto. Beckett já escreveu actos sem palavras há 50 anos. Agora, há um esquema qualquer, gigante, que nos ultrapassa a todos, que a televisão e os outros meios de comunicação repetem, no qual se sublinha a necessidade de repertório e a importância dos clássicos... O teatro de repertório não pode ser a matriz; e não podemos ser todos julgados pelo «modelo» ou a «matriz» Luís Miguel Cintra.
L.M.C. - Agradeço imenso que o digas
.
A.E.T. - O Luís Miguel Cintra é muito importante, mas não pode ser o único. No teatro, tem de haver diferenciação. Para se fazer Brecht tem de se contrariar Brecht. Para se fazer teatro em Portugal tem de se contradizer Luís Miguel Cintra.
L.M.C. - Mas tu sentes que a existência de uma companhia como a nossa e que os trabalhos que nós fazemos estrangula a hipótese de se fazerem outras coisas?
A.E.T. - Estrangula muito! A nível do pensamento. Porque tem qualidade, porque é um trabalho total de encenador e porque surgiu num período em que girava à volta da Cornucópia muita gente com muito talento, realizadores, escritores, poetas, actores... Criou-se uma determinada facção da actividade cultural que parou no tempo, ao contrário do seu criador, e que julga tudo pela mesma bitola. O que é político para o L.M.C. é ideológico para outros.
L.M.C. - Eu percebo. Não acho que a culpa seja da Cornucópia. A forma como o chamado público encara um trabalho assim é que é errada. Também nos sentimos presos dessa recepção por parte dos espectadores...
A.E.T. - Os perigos também são do próprio trabalho, a partir do momento em que este é total.
L.M.C. - Os perigos são de uma sociedade como a nossa, na qual o espectador, em vez de vir ver o nosso trabalho com curiosidade e com a cabeça aberta (o que seria desejável), acha que este é «o» tipo de trabalho e não «um» tipo de trabalho. Tem a cabeça condicionada: vem ver uma companhia de prestígio. Já vivi num momento histórico em que a relação com o espectador não era essa. Hoje, essa relação prende o próprio trabalho dos criadores de teatro, abastarda a intenção dos trabalhos. Gostaria de me sentir numa situação de igualdade com vocês. Há uma hierarquização das companhias, com reflexos no apoio do Estado às companhias, e que é perfeitamente perversa. Anula e estraga uma relação muito mais leal com o espectador, ao contrário do que eu gostaria.
A.E.T. - Este fascínio pela Cornucópia deve-se em muito ao trabalho, é ele que cria esse fascínio. Há trabalhos que são arrasadores, e é por isso que eu acho que existem perigos na metáfora e no símbolo. Acho muito bem que o trabalho exista, mas é muito perigoso quando existe uma classe fora deste que considera que apenas deve existir uma determinada forma. Não há diversidade, mas só igualdade. Com esses espectadores, que são de uma determinada importância e que geram novas gerações em diversas áreas, continua-se a perpetuar a ideia de uma companhia com um teatro total. Há uns tempos, alguém me dizia que queria uma actriz que era da Cornucópia e só podia ser essa actriz. Depois há quem vá comprar o mesmo tecido vermelho que a Cornucópia usou num determinado espectáculo. Existe esta história da fama da Cornucópia que se intromete sempre no caminho.
L.M.C. - Não tinha essas ideias. É sinistro!
A.E.T. - Não acho que o L.M.C. tenha de mudar em nada. Há muitas outras companhias para criar diferenciação. A sociedade anda perdida e tenta-se agarrar a qualquer coisa. Apareceu uma linguagem tão arrasadora que as pessoas apanham-na e guardam-na.
L.M.C. - Não sentem que com a vossa companhia, que já tem alguns anos e muitos espectáculos feitos, pode estar presa a uma imagem de marca, que por sua vez impede uma comunicação verdadeira. Em companhias como a vossa, ou a da Lúcia Sigalho, a do Cão Solteiro... os nomes correspondem a uma imagem de marca...
A.E.T. - Assumo que essa imagem existe. Mas, no caso do Teatro Praga, é mais difícil. Somos nove, e uns fazem frente aos outros. A questão é: todas essas companhias de diferenciação vivem na eminência de morrer.
EXPRESSO - Têm apoio estatal...
A.E.T. - Até ver.
L.M.C. - É grave que, nalguns casos, não haja um lugar fixo para trabalhar. Para nós, foi fundamental ter uma casa, um centro onde as pessoas se encontram, onde se guardam os materiais, os documentos. Não sei como é que conseguem ter uma estrutura tão forte sem vos ser disponibilizada uma sala...
A.E.T. - Trabalhamos numa sala no Hospital Miguel Bombarda, onde temos pouco espaço para guardar material, e temos um escritório numa casa comprada pelos meus pais e que alugámos por uma módica quantia. Para uma companhia como o Cão Solteiro, que faz um teatro plástico, a questão é pior. Não tem onde guardar nada e tem de mandar coisas fora ou refazê-las nas reposições. A Mónica Calle, por exemplo, está instalada num bar. Nós existimos há dez anos, mas a Mónica Calle e a Lúcia Sigalho, que fizeram a diferenciação em relação ao L.M.C. e são os «nossos pais», são mais velhas. Elas não têm idade para ser categorizadas como nova geração!
L.M.C. - Mesmo na relação com o público tem sido fundamental. Há uma criação de um público regular. Isso estabelece uma espécie de diálogo em profundidade com os espectadores. Tenho a ilusão que aquilo que se passa no nosso momento de criação dos espectáculos, que é um diálogo com a nossa memória anterior e com a nossa prática anterior, passa também para o público.
A.E.T. - É verdade que temos sofrido com o facto de estarmos a saltar de um lado para outro. Agora, os espectadores já começam a reconhecer o nome. Demorou algum tudo. Se tivéssemos tido apenas uma sala, teria sido mais fácil fazer essa evolução com o público.
L.M.C. - Tenho pensado que uma forma de escapar a uma relação de cliente com o espectador é a possibilidade de estabelecer um público minoritário. Não ter medo de trabalhar para um pequeno grupo, em vez de ter uma relação com todo o público, o que acho necessariamente superficial e ilusório.
A.E.T. - Podemos funcionar em pequenas comunidades. Claro que a nossa comunidade será muito menor. Ser político é trabalhar para poucas pessoas. Não acredito em espectáculos para duas mil pessoas, isso é tornar todos iguais.
L.M.C. - Antes havia muito menos coisas. Um espectáculo tinha uma importância maior na elite que se interessava por artes. Quando fizemos O Anfitrião (em 1969), no Anfiteatro de Letras, a imprensa nacional foi ver. Logo depois tive direito a bolsa e fui estudar para Inglaterra. Houve pessoas com carreira já firme que aderiram ao nosso projecto, apesar de sermos apenas dois miúdos da faculdade. Vocês, com dez anos, ainda são uma novidade. Para a vossa geração, é muito mais difícil inserirem-se na vida cultural. Não sei até que ponto isso não tem reflexo nas escolhas artísticas. Como não é possível haver uma inserção na cidade, correm o risco de cair numa espécie de mecanismo do género «façamos o que gostamos mais e desistamos de ter muito público...» Não terão vocês se acomodado, consolando-se com o pequeno lugar que a sociedade vos permite e criando algo muito concentrado em vocês próprios, fazendo do teatro uma necessidade de expressão mais do que de comunicação?
A.E.T. - Nós nunca nos inserimos na sociedade. Se nós desistirmos, e muitos outros como nós, fica apenas o L.M.C. Não vamos desistir. Nunca vamos ser compreendidos por muitas pessoas. Tentamos não parar. Queremos criar a diferença.
L.M.C. - Só existes se fores diferente?
A.E.T. - É importante haver uma diferenciação, do ponto de vista político. Cada vez há menos indivíduos, cada vez há mais pessoas com as mesmas ideias. O que não quer dizer que as pessoas não sejam inteligentes. Os partidos políticos das pontas tendem a desaparecer. Só há partidos centrais.
L.M.C. - Não sentes que essa vontade de diferenciação é imediatamente integrada na sociedade, catalogada como «Os Diferentes» e colocada numa gaveta marginal? As pessoas já sabem o que esperam e olham-vos de uma outra maneira. Isso aterroriza-me... Tenho a ideia de que não assustando o público com a diferença e aceitando o lugar institucional que tenho posso confrontar o público, sem agressividade prévia, com algumas coisas que são fundamentais no pensamento humano, com as quais o público normalmente não se confronta. Embora muitas vezes fique com a sensação de que o público não ouve nada, nem percebe nada. Vem ver se as luzes estão melhores ou os fatos estão mais bonitos... É uma frustração enorme. A relação já prevista com o público corrompe a relação com o público. Vocês não acabam por superficializar a relação, porque estão só a falar sobre essa relação e não sobre outros assuntos?
A.E.T. - Um espectáculo sobre a interpretação da arte é um grande tema... Não é apenas político dizer que o governo vai bem ou mal...
L.M.C. - Vocês estão sempre a falar de vocês e nós consideramo-nos um instrumento, para falar de outros assuntos. Esta é uma grande diferença. Vocês encaram o teatro como uma forma de expressão própria...
A.E.T. - Isso deriva de determinadas ideias «clichéticas» que se criaram com alguns espectáculos de dança dos anos 90, nos quais alguns coreógrafos tentaram afirmar uma certa individualidade. Algumas pessoas optam por dizer isso quando não sabem analisar os nossos espectáculos de outra forma; mas o nosso interesse não é falar sobre nós... Somos desinteressantes.
L.M.C. - Vocês dividem-se entre o grupo e algo parecido com uma «carreira profissional»?
A.E.T. - Sim. Ninguém vive apenas do grupo.
L.M.C. - Isso não é limitativo?
A.E.T. - Seria um sonho viver do grupo. Mas sei que nunca vai ser assim.
L.M.C. - Não se deviam acomodar a essa situação, e é importante dizer isto publicamente. Deviam ter direito a existir de uma forma que não vos obrigasse a fazer outras coisas para sobreviver.
A.E.T. - Costumo usar uma frase do Eduardo Lourenço: «Os artistas são todos filhos da burguesia». Pedimos dinheiro aos pais.
L.M.C. - Então existem porque são um projecto de juventude? Vocês vão crescer! O que me passa pela cabeça é o seguinte: davam-vos um teatro, o da Trindade. E depois? Em que é que isso mudava o vosso trabalho? E vocês até podiam dizer: «Não quero um teatro clássico, mas um armazém»...
A.E.T. - É um mito dizer que as companhias independentes querem armazéns. Nós podemos trabalhar num teatro clássico, e não vou deixar de fazer um teatro de diferença só porque ocupo um teatro clássico e tenho um ordenado ao fim do mês.
L.M.C. - Pensando em vocês, e nos mais novos, tenho defendido uma ideia de teatro nacional que não seja um lugar de honra nem de luxo. Em meu entender, os teatros nacionais deveriam ser um instrumento à disposição de toda a gente e sobretudo daqueles que têm menos capacidade de inserção dentro da cidade. O que aconteceria se uma direcção do teatro nacional vos desse quatro meses para trabalhar num projecto e assim sucessivamente para outros grupos, criando um núcleo de várias estruturas com vida própria?
A.E.T. - Aceitávamos, desde que o L.M.C. aceitasse lá estar no meio de nós. Aos olhos das pessoas, a Cornucópia tem de ser uma companhia de diferença e não de matriz. Há uma pirâmide, quando devia existir um círculo.
L.M.C. - Tudo bem. A minha esperança é que a minha diferença não seja a prevista para os diferentes. E vocês às vezes, sem darem por isso, encaixam-se no lugar previsto para os diferentes...
Entrevista de Cristina Margato
in Expresso [Actual], 23-09-2006
Confronto
A verdade do teatro
Luís Miguel Cintra e André E. Teodósio num confronto no qual emergem as questões que os separam no teatro e na vida.
Quando Luís Miguel Cintra se estreou como encenador, em 1969, o fundador do Teatro da Cornucópia queria lutar contra uma ideologia política e um teatro que considerava morto. Só que «os tempos mudaram muito», diz o próprio. Mas o reconhecimento artístico, que na época lhe foi dirigido, não o abandonou em mais de 37 anos de trabalho. Esse lugar incontornável que Luís Miguel Cintra ocupa no panorama teatral actual não quer, porém, dizer que ele seja apenas um criador a quem se deve reverência. Para uma geração mais nova, Luís Miguel Cintra também corresponde a um modelo que pretendem contradizer e a um caminho do qual se querem desviar. André E. Teodósio (Teatro Praga), com 29 anos, dá voz a alguns dos argumentos que defendem a diferença face ao que consideram «a matriz» Luís Miguel Cintra. Num confronto que o EXPRESSO desencadeou, dois homens com quase trinta anos de diferença e muitas gerações pelo meio enfrentam-se, e, ao fazê-lo, não emergem apenas as questões que os separam - no teatro e na vida. Dois mundos seguem num ziguezague de encontros e desencontros.
EXPRESSO - Gostaria que começassem por tentar encontrar as diferenças na forma como existem no teatro.
ANDRÉ E. TEODÓSIO - O teatro, para mim, começou por ter muita importância desde que vi os vídeos apresentados por Jorge Silva Melo e muitas encenações de Luís Miguel Cintra, no Conservatório. O peso dos mestres iniciou-se aí. Durante muito tempo foi difícil quebrar o trabalho de Jorge Silva Melo ou de Luís Miguel Cintra. Queríamos perceber como nos poderíamos encaixar no espírito do tempo e conquistar um espaço. Nos primeiros espectáculos do Teatro Praga (há dez anos) ainda existia um aspecto naturalista e realista. Os trabalhos eram simulacros de trabalhos da Cornucópia. Não se entendia o âmago da própria questão teatral. Hoje, tentamo-nos encontrar em algo a que Richard Foreman chamou de bombas de diferenciação e criar novos espaços dentro do próprio teatro que o possam revitalizar, sem que, por isso, nos achemos os melhores. Procuramos um caminho diferente. Nem melhor nem pior.
LUÍS MIGUEL CINTRA - Uma das coisas que me faz respeitar o vosso trabalho - e por isso estranho que sublinhes a importância das companhias e das pessoas mais velhas - é reconhecer no vosso grupo essa vontade de fazer diferente, de inventar. Desde o princípio que desejo conseguir fazer em grupo. Foi uma ilusão da minha geração. Quando começámos no teatro independente queríamos constituir grupos contra o teatro de empresário ou institucional, em que as pessoas não fossem mandadas, em que fizessem o que correspondia ao seu desejo de inventar. Isso aconteceu por generosidade de umas pessoas em relação ao projecto de outras; e muito pouco, de facto, como uma criação estabelecida em grupo. Parece-me que vocês têm independência mesmo em relação aos programadores ou às salas institucionais. A maior distância entre nós pode estar na relação com o texto e naquilo que foi um sentido de missão pública. Porque na minha cabeça e na da minha geração ainda existe a ideia de que podemos e queremos intervir no espaço público. Quando começámos, queríamos formar espectadores, intervir culturalmente, provocar de forma política. Com as mudanças que o tempo trouxe é muito mais difícil e complicado encarar esses assuntos.
A.E.T. - No Teatro Praga somos nove e temos relações diferentes com o texto. No entanto, lembro-me de ter lido (no livro de Maria Helena Serôdio) que Luís Miguel Cintra diz tentar respeitar ao máximo o autor. Não tenho esse problema. Semioticamente, é um erro fatal. O autor é o autor. Interessa-me a minha relação com o texto, com determinadas imposições linguísticas, estilistas, históricas. A relação com o texto não é construtiva ou desconstrutiva, é a minha. Outra grande diferença entre nós passa pela questão do símbolo. O L.M.C. trabalha com a metáfora. Nós, mesmo parecendo que insistimos nas metáforas, apenas tentamos criar um jogo de ligações para o público. As metáforas levam-nos ao erro totalitário. Daí os nossos trabalhos não terem essa dimensão política. Demitimo-nos dessa dimensão por acreditar que em nome das grandes ideologias de esquerda e direita foram cometidos tantos erros! A política para nós é criar diferenciação, criar pequenos pólos e esperar que esses pequenos pólos façam frente a essa grande massa, que acaba por ser o país e Portugal.
L.M.C. - O que são esses pequenos pólos?
A.E.T. - Pequenos núcleos de pessoas que vivem à volta de opiniões políticas, mas não ideológicas. Nos anos 80, o político corria o risco de se tornar ideológico. Queremos que a nossa política não seja ideológica. É como na grelha rizomática de Gilles Deleuze, em que o mundo não tem núcleo e, em vez de ser redondo, tem vários quadradinhos, a partir dos quais as comunidades interagem.
L.M.C. - Vocês não têm nenhuma esperança nem nenhuma ilusão de poder mudar o mundo?
A.E.T. - Sei que não se pode mudar o mundo. É a verdade, embora me custe admitir.
L.M.C. - Aí há uma diferença fundamental. Quando tínhamos a vossa idade, acreditávamos que isso era possível, e por isso lutávamos para tentar modificar as pessoas. Por outro lado, percebo-te muito bem. Também me questiono sobre a possibilidade de um teatro que seja a criação de metáforas (ou que interprete um texto através de metáforas) se tornar impositivo...
A.E.T. - É muito perigoso.
L.M.C. - Num dos últimos trabalhos (A Gaivota, de Tchekov), escrevi um texto em que colocava esse problema; porque perante um texto como aquele senti que era errado tentar impor ao público uma interpretação. Procurou-se que no trabalho de encenação e de interpretação ficasse um espaço subtil ou frágil, de modo a não se tornar impositivo em relação ao público e a não impedir que se sentisse a distância que vai do texto escrito ao texto encenado. Entre nós há uma outra grande diferença, que passa pela humildade e pela postura quando se está a apresentar. Quando recebi o Prémio Pessoa disse que tenho muito orgulho em ser intérprete e tento ser apenas um intérprete, no sentido em que um director de orquestra é também intérprete de uma partitura que já tem e, portanto, parte sempre de um amor a um texto. Tenho a ilusão de poder servir como «actualizador» desse texto no momento de o apresentar. Podes dizer que isto é uma ilusão e que de qualquer maneira estou sempre a fazer obra mesmo que diga que não quero fazê-la. Por outro lado, o texto sozinho não interessa. É só o texto e nunca é só aquele texto. Basta passar para o corpo e para a cabeça das pessoas que estão a representar para haver uma apropriação que o transforma.
A.E.T. - Desrespeito o autor a partir do momento que o leio. Nesse momento, já estou a ler com a minha cadência.
L.M.C. - Mas não é isso também que acontece quando estás sozinho a lê-lo em casa?
A.E.T. - A questão passa pelo facto de eu querer servir-me desse texto... Quando diz, «tento respeitar o autor», eu respondo, «eu não sei em que é que ele pode ser respeitado». No teatro, faz-se um jogo com aquilo que o texto nos pode proporcionar, e é só isso.
L.M.C. - Eu não digo isto como crítica e aceito que queiram fazer algo vosso com um texto preexistente.
A.E.T. - Mas nós fazemos textos. Este ano, por exemplo, vamos fazer Frei Luís de Sousa. Gostamos, porém, de nos trocar as voltas e de trocar as voltas aos espectadores que nos vão ver. Outras vezes fazemos espectáculos sobre teorias filosóficas, porque não temos uma relação com o teatro que seja exclusiva ao texto teatral. Um texto teatral é tão bom ou pior do que um romance, um ensaio filosófico ou uma notícia de jornal. Há muitas coisas interessantes no quotidiano. As edições de teatro português são assustadoras, agrupam muitos textos maus que não valem a pena repetir. Não tenho a resposta para o chavão que repito, «devolver ao teatro o que é o teatro», não sou Deus. No entanto, sei que o teatro sempre foi a criação de novas dramaturgias; e nós gostamos de fazer novas dramaturgias. O teatro não é só a criação de um repertório. Não é porque se é alto que se tem de fazer o Romeu. O teatro pode não ter apenas texto. Beckett já escreveu actos sem palavras há 50 anos. Agora, há um esquema qualquer, gigante, que nos ultrapassa a todos, que a televisão e os outros meios de comunicação repetem, no qual se sublinha a necessidade de repertório e a importância dos clássicos... O teatro de repertório não pode ser a matriz; e não podemos ser todos julgados pelo «modelo» ou a «matriz» Luís Miguel Cintra.
L.M.C. - Agradeço imenso que o digas
.
A.E.T. - O Luís Miguel Cintra é muito importante, mas não pode ser o único. No teatro, tem de haver diferenciação. Para se fazer Brecht tem de se contrariar Brecht. Para se fazer teatro em Portugal tem de se contradizer Luís Miguel Cintra.
L.M.C. - Mas tu sentes que a existência de uma companhia como a nossa e que os trabalhos que nós fazemos estrangula a hipótese de se fazerem outras coisas?
A.E.T. - Estrangula muito! A nível do pensamento. Porque tem qualidade, porque é um trabalho total de encenador e porque surgiu num período em que girava à volta da Cornucópia muita gente com muito talento, realizadores, escritores, poetas, actores... Criou-se uma determinada facção da actividade cultural que parou no tempo, ao contrário do seu criador, e que julga tudo pela mesma bitola. O que é político para o L.M.C. é ideológico para outros.
L.M.C. - Eu percebo. Não acho que a culpa seja da Cornucópia. A forma como o chamado público encara um trabalho assim é que é errada. Também nos sentimos presos dessa recepção por parte dos espectadores...
A.E.T. - Os perigos também são do próprio trabalho, a partir do momento em que este é total.
L.M.C. - Os perigos são de uma sociedade como a nossa, na qual o espectador, em vez de vir ver o nosso trabalho com curiosidade e com a cabeça aberta (o que seria desejável), acha que este é «o» tipo de trabalho e não «um» tipo de trabalho. Tem a cabeça condicionada: vem ver uma companhia de prestígio. Já vivi num momento histórico em que a relação com o espectador não era essa. Hoje, essa relação prende o próprio trabalho dos criadores de teatro, abastarda a intenção dos trabalhos. Gostaria de me sentir numa situação de igualdade com vocês. Há uma hierarquização das companhias, com reflexos no apoio do Estado às companhias, e que é perfeitamente perversa. Anula e estraga uma relação muito mais leal com o espectador, ao contrário do que eu gostaria.
A.E.T. - Este fascínio pela Cornucópia deve-se em muito ao trabalho, é ele que cria esse fascínio. Há trabalhos que são arrasadores, e é por isso que eu acho que existem perigos na metáfora e no símbolo. Acho muito bem que o trabalho exista, mas é muito perigoso quando existe uma classe fora deste que considera que apenas deve existir uma determinada forma. Não há diversidade, mas só igualdade. Com esses espectadores, que são de uma determinada importância e que geram novas gerações em diversas áreas, continua-se a perpetuar a ideia de uma companhia com um teatro total. Há uns tempos, alguém me dizia que queria uma actriz que era da Cornucópia e só podia ser essa actriz. Depois há quem vá comprar o mesmo tecido vermelho que a Cornucópia usou num determinado espectáculo. Existe esta história da fama da Cornucópia que se intromete sempre no caminho.
L.M.C. - Não tinha essas ideias. É sinistro!
A.E.T. - Não acho que o L.M.C. tenha de mudar em nada. Há muitas outras companhias para criar diferenciação. A sociedade anda perdida e tenta-se agarrar a qualquer coisa. Apareceu uma linguagem tão arrasadora que as pessoas apanham-na e guardam-na.
L.M.C. - Não sentem que com a vossa companhia, que já tem alguns anos e muitos espectáculos feitos, pode estar presa a uma imagem de marca, que por sua vez impede uma comunicação verdadeira. Em companhias como a vossa, ou a da Lúcia Sigalho, a do Cão Solteiro... os nomes correspondem a uma imagem de marca...
A.E.T. - Assumo que essa imagem existe. Mas, no caso do Teatro Praga, é mais difícil. Somos nove, e uns fazem frente aos outros. A questão é: todas essas companhias de diferenciação vivem na eminência de morrer.
EXPRESSO - Têm apoio estatal...
A.E.T. - Até ver.
L.M.C. - É grave que, nalguns casos, não haja um lugar fixo para trabalhar. Para nós, foi fundamental ter uma casa, um centro onde as pessoas se encontram, onde se guardam os materiais, os documentos. Não sei como é que conseguem ter uma estrutura tão forte sem vos ser disponibilizada uma sala...
A.E.T. - Trabalhamos numa sala no Hospital Miguel Bombarda, onde temos pouco espaço para guardar material, e temos um escritório numa casa comprada pelos meus pais e que alugámos por uma módica quantia. Para uma companhia como o Cão Solteiro, que faz um teatro plástico, a questão é pior. Não tem onde guardar nada e tem de mandar coisas fora ou refazê-las nas reposições. A Mónica Calle, por exemplo, está instalada num bar. Nós existimos há dez anos, mas a Mónica Calle e a Lúcia Sigalho, que fizeram a diferenciação em relação ao L.M.C. e são os «nossos pais», são mais velhas. Elas não têm idade para ser categorizadas como nova geração!
L.M.C. - Mesmo na relação com o público tem sido fundamental. Há uma criação de um público regular. Isso estabelece uma espécie de diálogo em profundidade com os espectadores. Tenho a ilusão que aquilo que se passa no nosso momento de criação dos espectáculos, que é um diálogo com a nossa memória anterior e com a nossa prática anterior, passa também para o público.
A.E.T. - É verdade que temos sofrido com o facto de estarmos a saltar de um lado para outro. Agora, os espectadores já começam a reconhecer o nome. Demorou algum tudo. Se tivéssemos tido apenas uma sala, teria sido mais fácil fazer essa evolução com o público.
L.M.C. - Tenho pensado que uma forma de escapar a uma relação de cliente com o espectador é a possibilidade de estabelecer um público minoritário. Não ter medo de trabalhar para um pequeno grupo, em vez de ter uma relação com todo o público, o que acho necessariamente superficial e ilusório.
A.E.T. - Podemos funcionar em pequenas comunidades. Claro que a nossa comunidade será muito menor. Ser político é trabalhar para poucas pessoas. Não acredito em espectáculos para duas mil pessoas, isso é tornar todos iguais.
L.M.C. - Antes havia muito menos coisas. Um espectáculo tinha uma importância maior na elite que se interessava por artes. Quando fizemos O Anfitrião (em 1969), no Anfiteatro de Letras, a imprensa nacional foi ver. Logo depois tive direito a bolsa e fui estudar para Inglaterra. Houve pessoas com carreira já firme que aderiram ao nosso projecto, apesar de sermos apenas dois miúdos da faculdade. Vocês, com dez anos, ainda são uma novidade. Para a vossa geração, é muito mais difícil inserirem-se na vida cultural. Não sei até que ponto isso não tem reflexo nas escolhas artísticas. Como não é possível haver uma inserção na cidade, correm o risco de cair numa espécie de mecanismo do género «façamos o que gostamos mais e desistamos de ter muito público...» Não terão vocês se acomodado, consolando-se com o pequeno lugar que a sociedade vos permite e criando algo muito concentrado em vocês próprios, fazendo do teatro uma necessidade de expressão mais do que de comunicação?
A.E.T. - Nós nunca nos inserimos na sociedade. Se nós desistirmos, e muitos outros como nós, fica apenas o L.M.C. Não vamos desistir. Nunca vamos ser compreendidos por muitas pessoas. Tentamos não parar. Queremos criar a diferença.
L.M.C. - Só existes se fores diferente?
A.E.T. - É importante haver uma diferenciação, do ponto de vista político. Cada vez há menos indivíduos, cada vez há mais pessoas com as mesmas ideias. O que não quer dizer que as pessoas não sejam inteligentes. Os partidos políticos das pontas tendem a desaparecer. Só há partidos centrais.
L.M.C. - Não sentes que essa vontade de diferenciação é imediatamente integrada na sociedade, catalogada como «Os Diferentes» e colocada numa gaveta marginal? As pessoas já sabem o que esperam e olham-vos de uma outra maneira. Isso aterroriza-me... Tenho a ideia de que não assustando o público com a diferença e aceitando o lugar institucional que tenho posso confrontar o público, sem agressividade prévia, com algumas coisas que são fundamentais no pensamento humano, com as quais o público normalmente não se confronta. Embora muitas vezes fique com a sensação de que o público não ouve nada, nem percebe nada. Vem ver se as luzes estão melhores ou os fatos estão mais bonitos... É uma frustração enorme. A relação já prevista com o público corrompe a relação com o público. Vocês não acabam por superficializar a relação, porque estão só a falar sobre essa relação e não sobre outros assuntos?
A.E.T. - Um espectáculo sobre a interpretação da arte é um grande tema... Não é apenas político dizer que o governo vai bem ou mal...
L.M.C. - Vocês estão sempre a falar de vocês e nós consideramo-nos um instrumento, para falar de outros assuntos. Esta é uma grande diferença. Vocês encaram o teatro como uma forma de expressão própria...
A.E.T. - Isso deriva de determinadas ideias «clichéticas» que se criaram com alguns espectáculos de dança dos anos 90, nos quais alguns coreógrafos tentaram afirmar uma certa individualidade. Algumas pessoas optam por dizer isso quando não sabem analisar os nossos espectáculos de outra forma; mas o nosso interesse não é falar sobre nós... Somos desinteressantes.
L.M.C. - Vocês dividem-se entre o grupo e algo parecido com uma «carreira profissional»?
A.E.T. - Sim. Ninguém vive apenas do grupo.
L.M.C. - Isso não é limitativo?
A.E.T. - Seria um sonho viver do grupo. Mas sei que nunca vai ser assim.
L.M.C. - Não se deviam acomodar a essa situação, e é importante dizer isto publicamente. Deviam ter direito a existir de uma forma que não vos obrigasse a fazer outras coisas para sobreviver.
A.E.T. - Costumo usar uma frase do Eduardo Lourenço: «Os artistas são todos filhos da burguesia». Pedimos dinheiro aos pais.
L.M.C. - Então existem porque são um projecto de juventude? Vocês vão crescer! O que me passa pela cabeça é o seguinte: davam-vos um teatro, o da Trindade. E depois? Em que é que isso mudava o vosso trabalho? E vocês até podiam dizer: «Não quero um teatro clássico, mas um armazém»...
A.E.T. - É um mito dizer que as companhias independentes querem armazéns. Nós podemos trabalhar num teatro clássico, e não vou deixar de fazer um teatro de diferença só porque ocupo um teatro clássico e tenho um ordenado ao fim do mês.
L.M.C. - Pensando em vocês, e nos mais novos, tenho defendido uma ideia de teatro nacional que não seja um lugar de honra nem de luxo. Em meu entender, os teatros nacionais deveriam ser um instrumento à disposição de toda a gente e sobretudo daqueles que têm menos capacidade de inserção dentro da cidade. O que aconteceria se uma direcção do teatro nacional vos desse quatro meses para trabalhar num projecto e assim sucessivamente para outros grupos, criando um núcleo de várias estruturas com vida própria?
A.E.T. - Aceitávamos, desde que o L.M.C. aceitasse lá estar no meio de nós. Aos olhos das pessoas, a Cornucópia tem de ser uma companhia de diferença e não de matriz. Há uma pirâmide, quando devia existir um círculo.
L.M.C. - Tudo bem. A minha esperança é que a minha diferença não seja a prevista para os diferentes. E vocês às vezes, sem darem por isso, encaixam-se no lugar previsto para os diferentes...
Entrevista de Cristina Margato
in Expresso [Actual], 23-09-2006
sábado, 14 de outubro de 2006
Livro XIX
12/12/05 Fnac Chiado 21,65€
On Directing - Interviews with Directors
Organizado por Gabriella Giannachi e Mary Luckhurst
faber and faber
"Pete Brooks - in the next couple of years I'm determined to make a couple of independent short films. I' m disappointed by a great deal of theatre. I love it, but I am beginning not to like its transience; as I get older I want to do something fixed. "
"Tim Etchells - The strong literary theatre tradition in Britain does make life difficult for anyone working ina different way. In mainland Europe things are more open, more interesting, and so there have been plenty of opportunities for us there. People often remark that what we're doing is 'shockingly new', but in fact it has a leneage and a context that is just too rarely known."
"Garry Hynes - It's also responsibility, and now that I'm half way through a career in the theatre I am very conscious that the world does not need yet another production of a classic play without a very good reason indeed. These days I see little point in doing a great many established plays. Why do the 900th production of The Cherry Orchard? What could I possibly offer?"
"Simon McBurney - One of the prolems in the twentieth century has been the death of popluar theatre: variety and music hall have been swallowed up by television, which has nothing of the 'presence' of theatre. So theatre has become a place for the middle-class intellectuals."
"Clifford McLucas e Mike Pearson - We always do the research ourselves; it's part of the process of creating this composite art. We often use bodies of material that co-exist in our pieces: historical material, personal textual material, analytical material. I'm always surprised that others don't work like this.(..) The theories which currently operate at the centre of theatre are not suitable for us."
"Julia Pascal - I always know that rehearsals are going well if the actors are telling sexy jokes."
12/12/05 Fnac Chiado 21,65€
On Directing - Interviews with Directors
Organizado por Gabriella Giannachi e Mary Luckhurst
faber and faber
"Pete Brooks - in the next couple of years I'm determined to make a couple of independent short films. I' m disappointed by a great deal of theatre. I love it, but I am beginning not to like its transience; as I get older I want to do something fixed. "
"Tim Etchells - The strong literary theatre tradition in Britain does make life difficult for anyone working ina different way. In mainland Europe things are more open, more interesting, and so there have been plenty of opportunities for us there. People often remark that what we're doing is 'shockingly new', but in fact it has a leneage and a context that is just too rarely known."
"Garry Hynes - It's also responsibility, and now that I'm half way through a career in the theatre I am very conscious that the world does not need yet another production of a classic play without a very good reason indeed. These days I see little point in doing a great many established plays. Why do the 900th production of The Cherry Orchard? What could I possibly offer?"
"Simon McBurney - One of the prolems in the twentieth century has been the death of popluar theatre: variety and music hall have been swallowed up by television, which has nothing of the 'presence' of theatre. So theatre has become a place for the middle-class intellectuals."
"Clifford McLucas e Mike Pearson - We always do the research ourselves; it's part of the process of creating this composite art. We often use bodies of material that co-exist in our pieces: historical material, personal textual material, analytical material. I'm always surprised that others don't work like this.(..) The theories which currently operate at the centre of theatre are not suitable for us."
"Julia Pascal - I always know that rehearsals are going well if the actors are telling sexy jokes."
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
terça-feira, 10 de outubro de 2006
Livro XVIII
08/11/2005 Fnac Chiado 9,90€
Literatura, Defesa do atrito
de Silvina Rodrigues Lopes
Vendaval
"A salvaguarda da liberdade, exigindo a atenção ao singular, implica um enfraquecimento dos processos globalizantes, uma debilitação dos modelos e ideais de universalização, a qual só pode decorrer de uma força de pensamento capaz de, pela sua potência de interrupção, abrir espaços vazios no manto liso da cultura e impedi-la de ser inteiramente dominada pelo emaranhado das trocas sociais. "
"É preciso impedir que a banalidade que aparece hoje consensualmente como literatura não se arrogue em breve um direito de exclusividade."
"Quem for ler «O problema da habitação», poema de Ruy Belo, para escrever um programa de intervenção social ficará decepcionado, assim como quer for ler «literatura» de massas ficará decepcionado se não for à procura de alguma coisa (um certo entretenimento, uma certa partilha de lugares comuns, um certo anestesiamento e embrutecimento)."
"Aquilo que se destina ao grande público é a espectacularização, que esteriliza ao colocar a diversão como substituta da estranheza, tornando-se eficaz na relegação do humano para o nível mais triste da vida animal - a domesticação."
08/11/2005 Fnac Chiado 9,90€
Literatura, Defesa do atrito
de Silvina Rodrigues Lopes
Vendaval
"A salvaguarda da liberdade, exigindo a atenção ao singular, implica um enfraquecimento dos processos globalizantes, uma debilitação dos modelos e ideais de universalização, a qual só pode decorrer de uma força de pensamento capaz de, pela sua potência de interrupção, abrir espaços vazios no manto liso da cultura e impedi-la de ser inteiramente dominada pelo emaranhado das trocas sociais. "
"É preciso impedir que a banalidade que aparece hoje consensualmente como literatura não se arrogue em breve um direito de exclusividade."
"Quem for ler «O problema da habitação», poema de Ruy Belo, para escrever um programa de intervenção social ficará decepcionado, assim como quer for ler «literatura» de massas ficará decepcionado se não for à procura de alguma coisa (um certo entretenimento, uma certa partilha de lugares comuns, um certo anestesiamento e embrutecimento)."
"Aquilo que se destina ao grande público é a espectacularização, que esteriliza ao colocar a diversão como substituta da estranheza, tornando-se eficaz na relegação do humano para o nível mais triste da vida animal - a domesticação."
Herr T.P. Memória
Teste ao Público
(Os actores tiram o cenário do palco, deixando-o vazio. A Sofia vem falar com o público.)
Vou agora abrir um espaço de improvisação dentro deste espectáculo. Um momento que não está preparado. É assim como… pedir-vos para se porem dentro de um puzzle, ou vestir uma roupa e fingir que são uma coisa que não são.
A partir de agora não há guião, não há preparação, tudo é feito em cima do joelho.
A partir de agora não há resolução possível para este espectáculo.
Não há forma imposta para além daquela que é visível. E como viram, tirámos tudo do palco. Só cá estamos eu e vocês.
Tudo o que acontecer neste espaço que eu estou aqui a abrir está nas mãos do acaso, do imponderável, do acidente. Os acidentes são muito importantes _ ocorrências que podem proporcionar uma lógica teatral. Assim como coisas que acontecem e que não estavam planeadas. (Silêncio. Faz uma expressão.)
Este silêncio, por exemplo, não estava programado. O que aconteceu foi que nem eu nem vocês conseguimos enchê-lo.
Peço-vos que não contem com a minha imaginação ou com o meu virtuosismo para construir coisa alguma.
Estejam à vontade para sugerir a ocupação deste espaço. Aliás este espaço é vosso. Pressupõe-se neste momento que o público comande.
Há aqui uma metáfora óbvia pronta a ser lida. Um óbvio simulacro.
(Silêncio.) Isto não devia acontecer outra vez. É sinal de alguma ineficácia vossa, e em parte minha também, e de algum bloqueio.
Às vezes durante o trabalho, ficamos bloqueados e o melhor é pôr-mo-nos a andar pelo espaço e a pensar: Porque é que as coisas que estão aqui neste espaço vazio não podem fazer parte do espectáculo? Como é que se pode fazer um espectáculo que fale do mundo em que vivemos agora? Que coisas teria de ter? Que tipo de cenas fariam se tivessem um espaço como este?
Posso também fazer outra pergunta: O que é que gostariam de ver aqui no palco? O que é que gostariam de ver fazer aqui, que ainda não tenham visto fazer aqui, ou noutro sítio qualquer?
Provavelmente isto não se aproxima suficiente da folha em branco.
Vou tirar a roupa.
Convido-vos a fazer o mesmo. Ficamos mais disponíveis. Ficamos mais livres para criar. Já vi que há pessoas que não concordam comigo, mas vou ficar nua à mesma. O quê? (Risos.) O quê? A sério, não percebi. Diz lá. (Pausa.) Continuo aberta a sugestões e o tempo está a passar.
(Nua.) Pronto. Não fiquem com vergonha. Quero dizer… Mais do que aquela que já têm… Pelo facto de isto se estar a passar agora. Este momento que eu abri, quero eu dizer. Pelo facto de isto estar a acontecer e de vocês estarem a ser testemunhas. (Silêncio.)
É horrível. Isto está a ser um momento horrível.
Compreendo perfeitamente que não se diga nada. Nada aqui inspira a criar o que quer que seja? É? Provavelmente tirar a roupa foi só a cereja no topo do chantilly. Só ajudou ao vazio.
Precisavam pelo menos de um tema.
Não? Há cabeças a abanar em sinal de discórdia.
Então porque é que não propõem nada? Acho que precisam de um objecto. Ou de vários objectos. (Silêncio.) Claro que precisam. Precisam certamente, pelo menos, de uma personagem… Não? Ou de uma história… Que vos permita criar um qualquer foco de interesse que aqui não existe.
Ok ,não precisam de uma história, a história pode ser o que acontece aqui e agora à vossa frente. Uma narrativa que não está preparada para ser contada. As histórias são… as acções que as pessoas fazem.
Isto é um verdadeiro bloqueio. Não corre uma brisa de inspiração que seja.
Podemos desbloquear pensando o que outras pessoas fariam nesta situação.
Por exemplo:
O que faria o Patrice Chereau nesta situação?
Aconselho-vos a pegarem num cigarro e a fumá-lo. (Fá-lo) E em casos mais extremos irem até ao bar beber um café ou uma bebida qualquer. Depois de beber, pode-se fazer um trabalho muito bom. Muito criativo.
Às vezes quando não sabemos o que fazer, ou quando estamos bloqueados é bom parar tudo e olhar para o palco, para o cenário. (Fá-lo.) Bloquear. Bloquear muito. É bom quando se bloqueia porque se podem fazer perguntas muito difíceis sobre o material produzido. Do género: gostamos do material, depois bloqueamos e de seguida odiamos o material.
Podemos também pôr um disco e pensar no que vai acontecer a seguir. (Põe um disco.)
(Durante o disco.) Podemos forçar o material. Até sair qualquer coisa.
Devem perguntar-me alguma coisa. Alguma merda caralho.
Se isto fosse um ensaio geral, se a estreia fosse amanhã, não teríamos grande coisa para apresentar, pois não?
Este espaço nunca começou. Nunca aconteceu. Este espaço nunca acaba.
(Entram os outros actores.) Não deu. Hoje não deu.
in Agatha Christie (2005)
(foto: Ângelo Fernandes)
(Os actores tiram o cenário do palco, deixando-o vazio. A Sofia vem falar com o público.)
Vou agora abrir um espaço de improvisação dentro deste espectáculo. Um momento que não está preparado. É assim como… pedir-vos para se porem dentro de um puzzle, ou vestir uma roupa e fingir que são uma coisa que não são.
A partir de agora não há guião, não há preparação, tudo é feito em cima do joelho.
A partir de agora não há resolução possível para este espectáculo.
Não há forma imposta para além daquela que é visível. E como viram, tirámos tudo do palco. Só cá estamos eu e vocês.
Tudo o que acontecer neste espaço que eu estou aqui a abrir está nas mãos do acaso, do imponderável, do acidente. Os acidentes são muito importantes _ ocorrências que podem proporcionar uma lógica teatral. Assim como coisas que acontecem e que não estavam planeadas. (Silêncio. Faz uma expressão.)
Este silêncio, por exemplo, não estava programado. O que aconteceu foi que nem eu nem vocês conseguimos enchê-lo.
Peço-vos que não contem com a minha imaginação ou com o meu virtuosismo para construir coisa alguma.
Estejam à vontade para sugerir a ocupação deste espaço. Aliás este espaço é vosso. Pressupõe-se neste momento que o público comande.
Há aqui uma metáfora óbvia pronta a ser lida. Um óbvio simulacro.
(Silêncio.) Isto não devia acontecer outra vez. É sinal de alguma ineficácia vossa, e em parte minha também, e de algum bloqueio.
Às vezes durante o trabalho, ficamos bloqueados e o melhor é pôr-mo-nos a andar pelo espaço e a pensar: Porque é que as coisas que estão aqui neste espaço vazio não podem fazer parte do espectáculo? Como é que se pode fazer um espectáculo que fale do mundo em que vivemos agora? Que coisas teria de ter? Que tipo de cenas fariam se tivessem um espaço como este?
Posso também fazer outra pergunta: O que é que gostariam de ver aqui no palco? O que é que gostariam de ver fazer aqui, que ainda não tenham visto fazer aqui, ou noutro sítio qualquer?
Provavelmente isto não se aproxima suficiente da folha em branco.
Vou tirar a roupa.
Convido-vos a fazer o mesmo. Ficamos mais disponíveis. Ficamos mais livres para criar. Já vi que há pessoas que não concordam comigo, mas vou ficar nua à mesma. O quê? (Risos.) O quê? A sério, não percebi. Diz lá. (Pausa.) Continuo aberta a sugestões e o tempo está a passar.
(Nua.) Pronto. Não fiquem com vergonha. Quero dizer… Mais do que aquela que já têm… Pelo facto de isto se estar a passar agora. Este momento que eu abri, quero eu dizer. Pelo facto de isto estar a acontecer e de vocês estarem a ser testemunhas. (Silêncio.)
É horrível. Isto está a ser um momento horrível.
Compreendo perfeitamente que não se diga nada. Nada aqui inspira a criar o que quer que seja? É? Provavelmente tirar a roupa foi só a cereja no topo do chantilly. Só ajudou ao vazio.
Precisavam pelo menos de um tema.
Não? Há cabeças a abanar em sinal de discórdia.
Então porque é que não propõem nada? Acho que precisam de um objecto. Ou de vários objectos. (Silêncio.) Claro que precisam. Precisam certamente, pelo menos, de uma personagem… Não? Ou de uma história… Que vos permita criar um qualquer foco de interesse que aqui não existe.
Ok ,não precisam de uma história, a história pode ser o que acontece aqui e agora à vossa frente. Uma narrativa que não está preparada para ser contada. As histórias são… as acções que as pessoas fazem.
Isto é um verdadeiro bloqueio. Não corre uma brisa de inspiração que seja.
Podemos desbloquear pensando o que outras pessoas fariam nesta situação.
Por exemplo:
O que faria o Patrice Chereau nesta situação?
Aconselho-vos a pegarem num cigarro e a fumá-lo. (Fá-lo) E em casos mais extremos irem até ao bar beber um café ou uma bebida qualquer. Depois de beber, pode-se fazer um trabalho muito bom. Muito criativo.
Às vezes quando não sabemos o que fazer, ou quando estamos bloqueados é bom parar tudo e olhar para o palco, para o cenário. (Fá-lo.) Bloquear. Bloquear muito. É bom quando se bloqueia porque se podem fazer perguntas muito difíceis sobre o material produzido. Do género: gostamos do material, depois bloqueamos e de seguida odiamos o material.
Podemos também pôr um disco e pensar no que vai acontecer a seguir. (Põe um disco.)
(Durante o disco.) Podemos forçar o material. Até sair qualquer coisa.
Devem perguntar-me alguma coisa. Alguma merda caralho.
Se isto fosse um ensaio geral, se a estreia fosse amanhã, não teríamos grande coisa para apresentar, pois não?
Este espaço nunca começou. Nunca aconteceu. Este espaço nunca acaba.
(Entram os outros actores.) Não deu. Hoje não deu.
in Agatha Christie (2005)
(foto: Ângelo Fernandes)
Auto-ajuda nº6
George Bernard Shaw said:
"The reasonable man adapts himself to the world.
The unreasonable man adapts the world to himself.
All progress depends upon the unreasonable man."
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
"The reasonable man adapts himself to the world.
The unreasonable man adapts the world to himself.
All progress depends upon the unreasonable man."
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
segunda-feira, 9 de outubro de 2006
Livro XVII
18-08-2005 Livraria Almedina 13,23€
A Nova Ignorância e o problema da cultura
de Thomas De Koninck
Edições 70
"Colocar a questão «O que é a música?» pode bem ser uma forma de perguntar: «O que é o homem?» (George Steiner). A afinidade entre a alma e o som também era admirada pelos Pitagóricos, que acreditavam, por esta razão, que a alma devia ser uma harmonia. (A afinidade entre os dois é evidente pelo facto de a música gerar em nós a alegria, a tristeza, etc. Não há dúvida de que, mais uma vez, não se trata de «representação» no sentido de «imagem» ou de «retrato». A imitação, a mimêsis, visa na verdade, o efeito sobre nós, como a luva que se ajusta à mão).
18-08-2005 Livraria Almedina 13,23€
A Nova Ignorância e o problema da cultura
de Thomas De Koninck
Edições 70
"Colocar a questão «O que é a música?» pode bem ser uma forma de perguntar: «O que é o homem?» (George Steiner). A afinidade entre a alma e o som também era admirada pelos Pitagóricos, que acreditavam, por esta razão, que a alma devia ser uma harmonia. (A afinidade entre os dois é evidente pelo facto de a música gerar em nós a alegria, a tristeza, etc. Não há dúvida de que, mais uma vez, não se trata de «representação» no sentido de «imagem» ou de «retrato». A imitação, a mimêsis, visa na verdade, o efeito sobre nós, como a luva que se ajusta à mão).
Auto-ajuda nº5
The best piece of advice ever given was by the art director of Harper's Bazaar, Alexey Borodovitch to the young Richard Avedon destined to be one of the world's great photographers.
The advice was simple:
'ASTONISH ME!'
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
The advice was simple:
'ASTONISH ME!'
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
sexta-feira, 6 de outubro de 2006
Auto-ajuda nº4
STEAL
Steal from anywhere that reasonates with inspiration or fuels your imagination.
Devour films, music, books, paintings, poems, photographs, conversations, dreams, trees, architecture, street signs, clouds, light and shadows.
Select only things to steal from that speak directly to your soul. If you do this, your work (and theft) will be authentic.
Authenticy is invaluable.
Originality is non-existent.
Don't bother concealing your thievery _ celebrate it if you feel like it.
Remember what Jean-Luc Godard said: "It's not where you take things from - it's where you take them to."
I stole this from Jim Jarmush
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
Steal from anywhere that reasonates with inspiration or fuels your imagination.
Devour films, music, books, paintings, poems, photographs, conversations, dreams, trees, architecture, street signs, clouds, light and shadows.
Select only things to steal from that speak directly to your soul. If you do this, your work (and theft) will be authentic.
Authenticy is invaluable.
Originality is non-existent.
Don't bother concealing your thievery _ celebrate it if you feel like it.
Remember what Jean-Luc Godard said: "It's not where you take things from - it's where you take them to."
I stole this from Jim Jarmush
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
quinta-feira, 5 de outubro de 2006
Auto-ajuda nº3
TRAPPED.
IT'S NOT because you are making the wrong decisions, it's because you are making the right ones.
We try to make sensible decisions based on the facts in front of us.
The problem with making sensible decisions is that so is everyone else.
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
IT'S NOT because you are making the wrong decisions, it's because you are making the right ones.
We try to make sensible decisions based on the facts in front of us.
The problem with making sensible decisions is that so is everyone else.
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
quarta-feira, 4 de outubro de 2006
Auto-ajuda nº2
TURN UP
If you don't have the degrees or fees to go to university, just turn up.
If you want to be in a job where they won't accept you, just turn up.
Go to all the lectures, run errands, make yourself useful. Let people get to know you.
Eventually they will accept you, because you are a part of their community.
They will not only respect your perseverance but will like you for it.
It may take time, a year say, but you will be in, not out.
WHEN ASKED THE SECRETS OF SUCCESS, WOODY ALLEN REPLIED, "TURN UP".
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
If you don't have the degrees or fees to go to university, just turn up.
If you want to be in a job where they won't accept you, just turn up.
Go to all the lectures, run errands, make yourself useful. Let people get to know you.
Eventually they will accept you, because you are a part of their community.
They will not only respect your perseverance but will like you for it.
It may take time, a year say, but you will be in, not out.
WHEN ASKED THE SECRETS OF SUCCESS, WOODY ALLEN REPLIED, "TURN UP".
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
terça-feira, 3 de outubro de 2006
Auto-ajuda nº1
I WANT
I WANT MEANS: if I want it enough I will get it.
Getting what you want means making the decisions you need to make to get what you want.
Not the decisions those around you think you should make.
Making the safe decision is dull, predictable and leads nowhere new.
The unsafe decision causes you to think and respond in a way you hadn't thought of.
And that thought will lead to other thoughts which will help you achieve waht you want.
Start taking bad decisions and it will take you to a place where others only dream of being.
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
I WANT MEANS: if I want it enough I will get it.
Getting what you want means making the decisions you need to make to get what you want.
Not the decisions those around you think you should make.
Making the safe decision is dull, predictable and leads nowhere new.
The unsafe decision causes you to think and respond in a way you hadn't thought of.
And that thought will lead to other thoughts which will help you achieve waht you want.
Start taking bad decisions and it will take you to a place where others only dream of being.
(Paul Arden, Whatever you think think the opposite. Penguin.)
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